Capítulo 32

OS CONTRAS


Marcelo, O Globo, 8/ago/2004

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Em 1992, eu e um super brother, o psicólogo e artista plástico Luiz Fernando Moreira, fomos panfletar no saguão de um hotel do Rio de Janeiro, aonde iria acontecer um dos FreeJazz, aquele festival que já nos referimos. Entregávamos, a cada um dos que estavam aguardando a hora do início do espetáculo, o que denominamos carta aberta aos amantes de Jazz. Nesta panfletagem humilde, acusávamos a pobreza (no sentido financeiro) da cultura brasileira e a exploração disto pelas indústrias do fumo que apareciam como mecenas, patrocinando eventos culturais, posando de benfeitoras.

Em Julho de 1996, de forma ainda mais humilde (leia-se: sozinho), panfletei na porta do Teatro Municipal, no Rio de Janeiro, numa das apresentações de um Festival de Dança Internacional, chamado Carlton Dance. Fui interpelado por policiais militares que, singelamente, me alertavam para o fato de que aquele festival era patrocinado por uma companhia de cigarros e que eu não deveria estar realizando aquela atividade ali !?! Só pude prosseguir por encontrar, por acaso, uma procuradora do município amiga. O panfleto que distribuía dizia: "VIVA A DANÇA E ABAIXO O CIGARRO". Assinalando que, nos países mais desenvolvidos (leia-se: mais informados), aquele tipo de patrocínio era algo impensável nos dias atuais.

foto Alexandre Campbell

"A respiração é fundamental para quem dança. A respiração incorreta interfere com a postura e com os movimentos, comprometendo toda a performance. A dança requer, entre outras coisas, um bom condicionamento físico."

Daniela Trevisan-Bailarina e Professora de dança-Academia de Ballet Zoê Canellas-AABB,RJ

Já na Inglaterra, por exemplo, os movimentos dos contras estão para lá de organizados. Vou citar apenas dois dentre eles, com os quais tenho maiores contatos :

1. TREES (cuja sigla significa: Those Resisting Early End from Smoking ,i.e., Aqueles que Resistem ao Final Precoce pelo Fumo)

Este grupo é formado por gente de todo tipo e idade. São carpinteiros, médicos, estudantes, costureiras, etc. Eles criam um "banzé" extraordinário, aonde exista alguma coisa que tenha patrocínio de cigarros. Por exemplo, numa corrida de Fórmula 1, vão para porta do autódromo e fazem de tudo. Vão fantasiados de caveiras, levam caixões, fazem discursos, levam bandas de música, enfim, criam o maior alvoroço. Eles mesmos fazem os outdoors, as fantasias e o que mais usarem. Tudo com muito humor e descontração.

Ultimamente, como por lá as indústrias de fumo estão vendendo menos, atuam também em outras áreas, como na alimentação. Pois, os TREES vão para os supermercados e, alertam as donas de casa que aquela determinada marca de biscoitos é produzida pelo mesmo grupo que fabrica cigarros que ajudam a esculhambar com a saúde de milhares de pessoas. Com isto, as donas de casa devolvem às prateleiras os produtos daquelas fábricas, consumindo outros. Os TREES tem jornalzinho próprio, aonde divulgam todos os eventos que eles azucrinaram ou vão azucrinar. Com isto, a organização das azucrinações pode ser elaborada com bastante antecedência.

2. PAT ( Parents Against Tobacco, i.e., Pais Contra o Tabaco)

Esta associação, cuja diretora é Jane Dunmore, enfatiza seus trabalhos junto aos parlamentares, aqueles que fazem as leis e, junto aos poderes públicos, que fiscalizam o cumprimento destas leis. Eles atuam principalmente na venda (ilegal) de cigarros para menores de 16 anos.

Também tem jornal próprio, aonde publicam suas atividades, as novidades científicas e demais esclarecimentos que possam interessar aos jovens e seus pais.

Abaixo, transcrevo parte de uma de nossas correspondências:

"Em torno de um terço dos adultos do Reino Unido ainda são fumantes, mas o proporção está nitidamente declinando. Com a idade de quinze anos, quase um quarto de nossos estudantes fuma (a eles, não podem legalmente ser vendidos cigarros); até que possamos fazer a cabeça dos jovens (young people), nós ainda teremos um problema com o fumo em nosso país".

Recordo a vocês, que se tratam de palavras de uma inglesa, a respeito da incidência de fumo entre jovens ingleses. Portanto, nada de pensar que o fumo é hoje em dia um problema apenas terceiro-mundista. É verdade que, entre os adultos, está havendo um abandono maior do vício no primeiro mundo, nos países ditos mais avançados, porém, em relação a vocês jovens, a tal curiosidade não é muito diferente, depois da curiosidade, já sabemos o que se passará : intoxicação > tolerância > dependência (não me chamem de cri-cri, por ficar repetindo isto: quantas vezes vocês já foram obrigados a ver aquela mensagem "o importantante é que temos alguma coisa em comum", nos intervalos de seu filme ou da sua novela?).

Outra coisa que creio ser de suma importância chamar à atenção, em relação a estes grupos que citei, é o fato de não haver qualquer relação com autoridades governamentais. Aliás, ao contrário, pois, eles batem tanto nos governos quanto nas indústrias, não fossem estes os que mais recolhem os frutos deste comércio.

É necessário, entretanto, citar duas eminentes figuras públicas que, em intervalo de quase 30 anos, deram muita contribuição aos contras. A primeira figura, morta assassinada, foi Robert Kennedy, irmão do então presidente dos Estados Unidos, John Kennedy. Ele abriu a primeira Conferência Mundial sobre Fumo e Saude, realizada em Nova York, em 1967, ano em que vocês, adolescentes, nem pensavam em nascer. Ele disse : " Por causa do fumo, morrem mais americanos anualmente do que o número dos que morreram durante a Primeira Guerra Mundial, a Guerra da Coréia e a do Vietnã juntas. E, em quantidade semelhante aos que morreram na Segunda Grande Guerra. A indústria do cigarro espalha veneno mortal, em troca de lucros financeiros". O pior, é saber que quando Kennedy disse estas palavras, morriam 'apenas' 250.000 americanos por ano por causa do fumo. No início do século XXI morrem 500.000.

Pois bem, 30 anos depois do discurso, em 28 de fevereiro de 1997, surge uma nova lei nos EUA (considerada a maior democracia do mundo): para comprar cigarros, tem-se que mostrar a carteira de identidade, se o comprador aparentar ter menos de 27 anos de idade. O comerciante que for pego vendendo cigarros para menores de 18 anos pagará a bagatela de quinze mil dólares de multa. Muito se deve aos Contras americanos esta conquista. Em abril de 2003, por exemplo, 36 anos depois daquele primeiro fórum com Bob Kennedy em Nova york,  nenhum restaurante, pub, bar ou lanchonete, permite fumo em seu interior, graças a uma lei do prefeito de Michael Bloomberg.

A segunda manifestação que cito, de uma não menos expressiva autoridade política mundial, foi a declaração de Fidel Castro, comandante de Cuba, quando declarou estar abandonando o vício de fumar, até para servir de exemplo para o "seu" povo. Se por um lado este gesto isoladamente já mereceria aplausos, o que se dirá  então por ser o charuto cubano uma das maiores tradições do mundo, por conseguinte, um dos principais produtos de exportação do país.

Não ao fumo na terra do charuto, Cuba restringe hábito em locais públicos e limita venda, Jornal O Globo, 07/fev/2005

Outras demonstrações de reconhecimento do problema podem ser vistos em outros pronunciamentos. Vejam, por exemplo, o de Nelson Mandela (presidente do congresso nacional africano) em resposta à colocação de seu nome - NELSON - em uma marca de cigarros do Senegal, aproveitando que, na ocasião ele era uma das figuras mundialmente mais comentadas: "o tabagismo deve ser desestimulado, principalmente entre a juventude. Solicitei ao nosso departamento jurídico que investigue o problema e que tome as medidas cabíveis e assegure um protesto à altura". Ao invés de considerar-se homenageado pela indústria senegalesa, aquilo soou como uma agressão e, como diziam os antigos, uma vigarice.

O presidente norte-americano Bill Clinton, também vinha se notabilizando como uma grande liderança mundial no campo do antitabagismo, apesar do deslize memorável de envolver-se num escândalo sexual, no final da década de 90 e, de glorificar o charuto como instrumento de "relações sexuais impróprias". Na verdade, asseguraram-me, o maior combatente antifumo do Governo Clinton, fora o seu vice-presidente Al Gore que, de família produtora de tabaco, vira morrer uma irmã, Nancy Gore Hunger, 46 anos, por doença tabaco-relacionada (câncer de pulmão). Pois bem, para vocês terem a exata noção do problema, apesar de Bill Clinton, mesmo já fora da presidência dos EUA, continuar a ser uma das maiores e mais poderosas personalidades mundiais, quase que ele embarca prematuramente para o andar de cima, para a casa dos anjos, por doença cardíaca.

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Bill Clinton _ quase que o poderoso dançou a última valsa

No dia 6 de setembro de 2004, quatro pontes de safena foram colocadas no coração de Clinton, de apenas 58 anos, certamente pela contribuição daquele 'instrumento de relações sexuais impróprias', o seu próprio charuto (lembrando que a fumaça de 1 charuto tem 70 vezes mais nicotina, um potente vasoconstritor, que a fumaça de 1 cigarro).

Dr. Jeffrey Wigand - um dos principais personagens da história do movimento antitabagismo do final dos anos 90. Vice-presidente de uma das principais indústrias de fumo do mundo, a Brown & Williamson, contribuiu, com seus depoimentos e documentos, para que os acordos entre indústria e governos americanos acontecessem. Wigand revelou uma série de informações comprometedoras como as de que os dirigentes da indústria de tabaco teriam escondido, da opinião pública americana e mundial, que sabiam que a nicotina gerava dependência. Em 1999, sua história virou filme, The insider (O Informante), concorrendo a 7 Oscars.

Patrick Reynolds

Um dos ativistas antifumo mais ativos da atualidade é Patrick Reynolds. Bisneto de um banqueiro/fazendeiro produtor de tabaco do final do século XIX, neto e filho de empresários poderosíssimos da indústria do tabaco, Patrick Reynolds é hoje um empreendedor do antitabagismo, que contribui até com a política de Barack Obama para o setor.

No Brasil, dois médicos e professores universitários são, ao meu ver, os responsáveis por haver quase 200 mil mortes de brasileiros anualmente, por doença tabaco-relacionada! Creio, sinceramente que, sem ter havido o empenho deles, teríamos, no mínimo, o dobro desse número de mortes, como nos Estados Unidos de hoje. Os Profs. José Rosemberg (Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/SP), in memorian, e Mário Rigatto, in memorian, (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), desde a década de 60 tentaram conscientizar os profissionais de saúde, os estudantes universitários, as lideranças políticas e a sociedade civil, dos riscos envolvidos no consumo de tabaco. Eu incluo-me como um dos humildes discípulos dessas sumidades da medicina brasileira, melhor dizendo, um dos que foi mordido pela mensagem deles. Assim como o Tom Jobim virou nome de aeroporto e parque aqui no Rio de Janeiro, o Ayrton Senna virou nome de avenida, alguns marechais receberam estátuas em praças públicas, proponho que estes brasileiros, médicos, recebam algum tipo de homenagem deste tipo, que os perpetue entre nós, uma vez que evitar a morte de centenas de milhares de pessoas ao longo de uma luta, ininterrupta, de mais de 40 anos, mereceria esta homenagem. Aproveito aqui, desta pequena contribuição cibernética à causa que é, essencialmente, no Brasil, a causa deles, para render-lhes homenagem e expressar de público a minha mais profunda gratidão. Todos os profissionais de saúde brasileiros que hoje estão engajados no movimento antitabagismo, foram, de forma direta ou indireta, iniciados ou sensibilizados por eles.

Professores José Rosemberg e Mário Rigatto

Outro médico a quem muito deveríamos ser agradecidos, pelo seu empenho na luta com o fumo, é o Dr. Jorge Pachá (in memorian). Ele também exerceu sobre mim forte influência, no sentido tanto de perceber o tamanho do inimigo que estaríamos enfrentando (quando poucos estavam atentos ao problema), quanto na capacidade de um ser humano indignar-se com a maldade alheia. Com seus livros e palestras, mostrou-me o quanto ter uma vida digna é viável.

 

Dr. Jorge Pachá

Uma grande campanha começa a se desenvolver no Brasil, no início do terceiro milênio, com um belo mote, CIGARRO, POR AMOR, PARE. Conta com o apoio de várias sociedades médicas e de uma legião de artistas.

Praia do leblon, Rio de Janeiro, 26-ago-2001

Os atores Guilherme Leme e Vera Holtz e os médicos Clemax Sant'ana, Fátima Emerson e Terezinha Martire dando força para o movimento contra o fumo que, felizmente, cresce a cada dia mais.

Uma coisa extremamente interessante é que também existem as iniciativas de pessoas de fora da área da saúde, sem qualquer envolvimento com movimentos organizados, que tomam iniciativas cidadãs, apenas pela consciência de seu papel na sociedade e do grave problema que é o Tabagismo:

Eric Engelhart e seus fiéis escudeiros Jujuba e Thipiti - sua papelaria no Leblon, Rio de Janeiro, recebe os clientes com recortes de jornais, prevenindo-os sobre os males do fumo.

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As primas e melhores amigas, Gabriela Costa e Ivna Camillo, criaram um movimento chamado Pacto Anti Álcool e Cigarro (PAAC), que já nasce com site na internet.

Muitas vezes, uma cidade inteira se mobiliza contra o fumo, um reconhecimento coletivo da gravidade do problema.

Bolonha sem fumo.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) vem, ano após ano, desenvolvendo campanhas contra o fumo para conscientização planetária do grave problema de saúde pública que é o tabagismo, mobilizando autoridades governamentais, profissionais de saúde e de educação, mídia e cidadãos de boa vontade:

TEMAS DA CAMPANHA DA OMS, AO LONGO DOS ANOS:

DIA MUNDIAL SEM FUMO - 2010

 
Dia Mundial Sem Fumo - 2010


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O Prof. Márcio de Souza, da escolinha de basquete do Flamengo, sempre que pode chama a atenção das meninas e dos meninos para a necessidade do praticante de basquete ter muita capacidade aeróbica e do quanto que fumar é prejudicial para o bom desempenho atlético: "Pela altíssima intensidade do jogo, o basquete moderno enfatiza uma defesa muito forte e saídas rápidas para o ataque _ contra-ataques e transições. Isto exige um condicionamento excepcional dos atletas. No basquete atual, um jogador, por mais talentoso que seja, se não tiver grande dedicação aos treinos físicos tem vida curta no esporte".

O Prof. Márcio de Souza talvez nem tenha a dimensão exata da importância de seu trabalho, não só pela influência para que a garotada que passe pelas suas mãos não caia na besteira de fumar. Os treinamentos que realiza mostram a importância do companheirismo, da vida em coletividade, da necessidade do esforço para alcançar-se os objetivos e para aprimorar o talento. Após alguns anos sob os seus cuidados, apenas um(a) ou outro(a) poderá tornar-se um Oscar 'mão santa' Schmidt ou uma 'Magic' Paula, ou uma Janet Arcain, porém, a maioria sairá melhor preparada para viver plenamente em comunidade.

Paula wpe1.jpg (11313 bytes)  Magia pura

Para reforçar a tese do Prof. Márcio de Souza, eis que recebo a mensagem de ninguém menos do que Magic Paula, uma das minhas maiores paixões esportivas, minha 'ídala' do basquete. Pedi-lhe que me desse a sua opinião sobre o fumo, a qual vocês ficam agora sabendo:

"Sou muito chata com cigarro. Odeeeeeiiiiiiooooo! Cigarro e esportes não combinam. Uma das coisas mais importantes para um atleta é a sua capacidade pulmonar. Precisamos demais estar bem fisicamente.

Além disto, o cigarro mata!"

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Magic Paula: "Odeeeeeiiiiiiiiooooo cigarro!"

O mesmo sentimento sobre o cigarro vem da minha outra 'ídala' basqueteira, Janeth Arcain, que mandou a sua opinião por e-mail. Assim como a Magic, ela desaconselha o fumo sobre qualquer forma, considerando-o incompatível com a vida e o Criador:

Janeth Arcain

"Temos muito que amar a nossa vida, acreditar num ser supremo (DEUS) e ficar longe das coisas que nos fazem mal. Gosto de acordar e agradecer pelo dia, fazer os meus exercícios e poder saber que os meus pulmões estão bem. Sempre tento fazer quem está perto de mim largar este vício ou, de preferência, nem entrar nele"

Janeth Arcain


ilustração de Kamil Yavuz -© Turquia

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