Capítulo 30
A RESPIRAÇÃO COMO UM CAMINHO
PARA ESTAR MAIS PRÓXIMO DE DEUS
"Não
é necessário que lancemos o homem ao espaço interplanetário, não é necessário
sequer que o tiremos de seu próprio país ou do seu lar, a fim de expô-lo à influência
do cosmo. O homem está sempre no centro de universo, pois, o universo está em toda
parte"
Prof. Giorgio Piccardi
Pela doutrina de São Tomáz de Aquino, o maior filósofo da igreja católica, Deus é onipresente, portanto, sendo impossível achar-se distante de qualquer um de nós, mesmo que fôssemos fumantes. Entretanto, o contrário, simbolicamente, é plenamente concebível. O ato de consumir tabaco, sendo esse ato uma destruição da criação divina, revelaria um distanciamento nosso em relação ao criador.
Na China, Yin + Yang = Ki (fonte de energia da vida cósmica).
Diz a Literatura Esotérica, que o Universo tem um ritmo próprio, forjado em ciclos de opostos, YIN - YANG, sol - lua, homem - mulher, dia - noite, inverno - verão, tic - tac (do coração), inspiração - expiração...
Os ensinamentos também se referem a um tempo mais lento, para alcançar o equilíbrio interior.
Na prática não oculta, não esotérica, podemos confirmar estas assertivas: um atleta bem preparado fisicamente, tem sua pulsação cardíaca bem abaixo da população normal. Enquanto se aceita que uma pessoa que não pratique exercícios regularmente tenha 80 batimentos cardíacos por minuto (em repouso), um atleta em repouso, às vezes, não precisa ter mais do que 60 para sentir-se pleno, satisfazendo-se até com menos. O mesmo aparece em relação às necessidades de respiração. O número de incursões (inspiração-expiração) que um atleta necessita, é bem menor do que o de um executivo, por exemplo. Quanto melhor preparado estiver, quanto menos precisará aumentar seu ritmo respiratório, alem do que, disporá de uma reserva para quando uma jogada ou um adversário exigir.
Lance Armstrong, um dos maiores ciclistas da história do esporte, heptacampeão do Tour de France, a prova mais importante do mundo, chega a ter só 32 batimentos por minuto, em repouso, tal o seu condicionamento físico.
O controle respiratório não é importante apenas para a prática de esportes. Ele pode fazer parte de todo um conjunto de atitudes que denotem uma maior harmonia pessoal. Percebam que, quando estamos irados, totalmente descontrolados, temos uma aceleração, tanto da ventilação quanto do ritmo cardíaco, i.e., respiramos mais rápido e temos taquicardia; quando tendemos a nos acalmar, estes ritmos também tenderão a se normalizar; quando recebemos um susto, o mesmo acontece e tendemos à aceleração. Assim, a perda brusca ou continuada de nosso equilíbrio mental e emocional, nos leva a alterar nossos ritmos, tendendo para uma repetição cíclica (ins e ex) rápida.
Deve ser do conhecimento de vocês, a existência de algo chamado meditação. Esta prática visa um desligamento temporário da realidade comum, para experiências em outros níveis de consciência. Os relatos dos que observaram monges durante estes trabalhos, puderam constatar que suas respirações e seus batimentos, alcançaram níveis inimagináveis para os pobres mortais. Chegando mesmo, a ser difícil captar qualquer sinal de movimento respiratório ou cardíaco. Seus corpos, em estado de quase êxtase espiritual, se mantiveram vivos, apesar das frequências extremamente baixas dos batimentos cardíacos.
A conclusão que se pode chegar, mesmo sem nos aprofundarmos mais neste assunto, é que a um estado interno de harmonia e equilíbrio tende a tornar mais lento o ritmo do corpo humano e, em contra partida, a aceleração denota um ser em estado de descontrole de suas emoções e pensamentos.
Uma outra abordagem para esse mesmo tema do fumo, é a da motivação do fumante. Pela doutrina budista ( de Buda, Sidarta Gautama, nascido 523 anos antes de Cristo), a queda do paraíso (que pela visão cristã representaria a perda de um estado de perfeição por um pecado cometido por Adão e Eva) teria gerado nos homens um sentimento de desintegração. Em sentindo-se separado do Todo, passa crer que absolutamente não existe. Ao longo da vida encarnado, vive tentando provar-se o contrário, porém, sofrendo permanentemente esta imaginação da não-existência. Fumar, ou melhor, soltar a fumaça, vê-la saindo de si, seria uma forma de aplacar temporariamente o sofrimento, pois, se algo sai de si, isto se oporia a idéia de que não existe.
Por esta forma de analisar o sofrimento humano mais essencial, poderíamos, por exemplo, entender porque sai tanta briga no trânsito, por causa de "fechadas", uma vez que aquele que é "fechado" irrita-se, ao extremo, por assumir que o "fechador", pura e simplesmente, o ignorou, como se ele não existisse, remetendo o "fechado" à sua condição de desintegrado, seu principal drama fundamental. O mesmo acontece com aquele moço que quer quebrar todo o bar, apenas porque alguém ousou paquerar a sua garota, batendo em dez, quebrando três mesas, encarando oito seguranças e indo parar na delegacia de polícia, todo rasgado e com hematomas, fazendo seus pais, amigos e, principalmente, a "sua" namorada, pagarem um mico colossal, madrudaga a dentro. Mal sabiam todos, que ao ver a "sua" namorada ser paquerada, isto traduzia-se como: o "paquerador" não o respeitando, era como se ele não existisse. E tome porrada... Boa parte dos atritos humanos se enquadrariam nessa classificação budista, como tentativas vãs de comprovar para si mesmo e para os outros, permanentemente, a própria existência. Fumar, fazer algo queimar com um movimento de aspiração, não deixa de ser uma fonte portátil de comprovação de se estar vivo, ainda por cima colocando para fora o resultado daquele movimento. Uma vez, ouvi um monge intuir que esta poderia ser a explicação para tantas mortes por assassinatos, posto que, ao ver que um ser vivo morreu por uma ação sua, geraria, no autor do ato, em geral uma alma muito jovem, um sentimento de poder, como a compensar toda a angústia causada pelo sentimento da NÃO-EXISTÊNCIA.
Bom, precisamos aspirar, porém, ar puro e não fumaça de tabaco. Númerosas práticas orientais têm suas bases estabelecidas sobre o ato de bem respirar. Como exemplo, poderíamos citar o Yoga (talvez a mais conhecida entre nós), o Tai-Chi-Chuan e o Shikun.
Em várias artes marciais, como no Karatê e no Taekwondo, a respiração sob controle é requisito básico, mesmo para um faixa-branca. Observando-se o Katar de um mestre de Karatê, se percebe a harmonia entre os movimentos do corpo e a sua respiração.
Fotos: Alexandre Campbell
Vera B. Franceschin, Campeã Brasileira de Taekwondo de 1994 e 1997, faixa preta 1o. dan. Professora da TKD & CIA, AABB-RJ
"Dominar a respiração deve ser prioridade para todos os praticantes de Taekwondo, uma vez que qualquer golpe, quando bem executado, exige um equilíbrio perfeito com todos os estímulos que nos circundam, sendo necessário que haja harmonia entre todos os movimentos e, esta mistura de coordenação, ritmo, equilíbrio e força, elementos fundamentais para aplicação de um bom golpe, só é possível através do controle do modo de respirar, que determina o momento ótimo de tensão, concentração e relaxamento de toda a musculatura envolvida na aplicação dos movimentos."
Do outro lado da moeda, situa-se o fumante. Dificilmente, um atleta fumante, mesmo bem treinado, consegue ter uma "performance" igual àquela que teria se não fumasse. Todos os milhares de trabalhos científicos sérios provam isto. O que se dirá daquele que nem atleta é, grupo em que se encontra a maioria dos fumantes ? Normalmente, basta ao fumante subir uns poucos lances de escada para já se manisfestarem os sintomas de falta de ar e taquicardia. Progressivamente, cada vez por razões mais banais, lá vão os ritmos se acelerar. Durante boa parte do dia de um fumante, seus batimentos estão entre 90 e 100 por minuto. Se, indiretamente, isto se correlaciona com seu estado mental e emocional, podemos imaginar que é pouco frequente observarmos um fumante calmo, tranquilo.
É evidente, que não estamos relacionando o ato de não fumar ao equilíbrio do ser humano, mas apenas constatando a pequena possibilidade de isto acontecer com um indivíduo que fume. Este, certamente, deverá antes de mais nada abandonar o fumo para que possa, munido da respiração correta, tentar alcançar junto com outras formas de auxílio em seu auto-conhecimento, o dito equilíbrio. É tambem verdadeiro, que uma tendência ao equilíbrio interior, obtido por alguma via, pode desencadear no fumante um desapego ao tabaco.
Escrevendo o parágrafo anterior, me lembrei do Miguel, um amigo querido. Na época não valorizava muito uma coisa que ele dizia, mas a compreendo agora. Ele não era de muito comer, comia para sobreviver. Lançou a idéia de um respirante. Já que também respirava para viver, acharia preferível ir a um respirante do que a um restaurante. Imaginava-se recebendo um cardápio com várias opções de aromas. Diria: " hoje vou querer o de sempre ". Confesso, não me recordo de qual era o cheiro preferido dele...