Capítulo 14

PORQUE, ENTÃO, OS MÉDICOS FUMAM ?

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Há 25 milhões de fumantes no Brasil e, entre estes, muitos trabalham em hospitais, centros, postos de saúde ou consultórios, lidando com a ausência de saúde todos os dias (num grande número de casos, pacientes que procuram atendimento por causas ligadas ao ato de fumar). São os chamados, hoje em dia, profissionais de saúde, médicos, enfermeiras, psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, dentistas, assistentes sociais, preparadores físicos, etc.

W.R. Spence e V. Herschberger

foto extraída do livro Introduction to Patient Care, de Kosier-Du Gas, edição de 1972.

 

Em 1972, um livro para treinamento de estudantes de Enfermagem mostrava a foto de um paciente fumando naturalmente, num leito de hospital, antes de receber os cuidados de uma enfermeira. Como as coisas mudaram, desde o chapeuzinho da profissional até a concepção do absurdo que é fumar...

Milhares de adolescentes esforçam-se, ano após ano, para tornarem-se profissionais de saúde para ajudar as pessoas. O vestibular para medicina, por exemplo, é sempre o mais disputado entre todos os cursos universitários, em nosso país. Mesmo com a garotada já sabendo, que uma consulta médica brasileira recebe, hoje em dia, dos seguros e empresas de medicina de grupo, um valor menor que uma depilação de virilha cobrado nos cinco salões de beleza que existem em torno do consultório em que trabalho. Nos anúncios desses planos de saúde, é sempre mostrado que eles praticam uma medicina de ponta, apesar de uma hora do trabalho de um fisioterapeuta valer, para eles, menos do que um sanduíche de queijo com banana.

Porque esta turma jovem, esforçada e solidária se expõe aos males do fumo? O que ocorre é bem simples. Apesar de todo o conhecimento que têm, apesar de verem as pessoas adoecendo, muitos não conseguem largar o cigarro porque são nicotino-dependentes, entraram em contato com a nicotina, em suas adolescências, como quase todos os fumantes, como vimos no capítulo anterior. Só depois é que se tornaram profissionais de saúde.

Pode-se contar nos dedos de uma mão, aqueles médicos que começaram a fumar já cursando uma faculdade de medicina. Eu, por exemplo, só conheço três colegas com quem isto tenha acontecido.

Por conhecerem mais sobre este problema, é menor o número de fumantes entre estes profissionais do que entre a população em geral.

Quero dizer com isto duas coisas: com o conhecimento sobre os males do cigarro, diminui o risco da "curiosidade", mas, também, que é óbvio que os profissionais de saúde não nasceram tendo este conhecimento e estas experiências.

Em Setembro de 1996, houve um congresso nacional de Pneumologia em Belo Horizonte, Minas Gerais. Um grupo de especialistas do Rio de Janeiro foi para lá num ônibus fretado. Na volta, durante a viagem, realizei uma pequena pesquisa entre os médicos. Aqui vão alguns dados, colhidos entre os 21 especialistas: 8 fumantes (38%), 1 ex-fumante (4,7%) e 13 que nunca foram fumantes (61,3%); entre os 9 (8+1) que tem relação com o cigarro, 7 tiveram pais fumantes durante a sua infância ou adolescência; entre estes mesmos 9, a idade média em que entraram no vício foi a de 17 anos. Outro dado que considero importante: entre os oito fumantes, a divisão entre os sexos foi totalmente equilibrada, eram 4 homens e 4 mulheres, um perfeito exemplo da realidade do final do século XX. Vale lembrar, que esta incidência de fumantes é num grupo de pessoas que são especialistas nas doenças provocadas pelo cigarro. No congresso de que participáramos,praticamente todos os assuntos tratados mencionavam o perigo do cigarro. Então, se isto ocorreu num grupo informado, vocês podem imaginar o que pode acontecer com aqueles que não tem a informação adequada e muito menos a convivência com as graves doenças que o fumo acarreta.

Na China, maior produtor e maior consumidor de cigarros do mundo, 80% dos médicos fumam (!?!?!), enquanto que, na Inglaterra apenas 9% e 7% nos Estados Unidos. O Brasil encontra-se num nível intermediário, com 25% de seus médicos baforando o seu tabaco. Por falar na China, assisti, em maio de 1998, aqui no Rio de Janeiro, a entrega anual dos prêmios da Organização Mundial da Saúde, para os que mais se destacaram no mundo como combatentes do mal que o fumo provoca (inclusive, para a minha colega, a Vera Luiza da Costa e Silva e sua equipe, do Instituto Nacional do Câncer). Pois bem, quando o representante da China se manifestou, para agradecer a premiação, que os agraciados anteriores o faziam como os que recebem um Oscar, nunca vi discurso tão enérgico contra as indústrias do tabaco. Confesso-lhes que fiquei todo arrepiado, enquanto o médico de Hong Kong desfiava os números, assustadores, de mortes e doenças que estão ocorrendo na China e, o que está para vir nos próximos anos, se nada for mudado no comportamento das pessoas e dos governos. As veias do pescoço do médico chinês saltavam e a sua face ficou vermelha, como a explodir. Ele chamava os produtores e vendedores de tabaco de assassinos. Se, entre seus compatriotas, 80% dos seus médicos são fumantes, vocês podem imaginar o que acontece com os que não são da área da saúde. Lá, existem 300 milhões de fumantes(!!). A título de curiosidade, um dos países que recebeu a premiação, a Suécia, teve como representante uma miss. Isto mesmo, a Miss Suécia daquele ano. E porquê?  Porque na Suécia, todas as misses, durante o ano de seus reinados, devem fazer campanhas nas escolas sobre os riscos do fumo. Bacana, não é?

folhaequilíbrio, da Folha de São Paulo1/06/2000

"Até quem mais entende de saúde pode ser dependente de nicotina."

Portanto, espantem-se, mas não muito, por verem médicos fumando. Sem essa, de pensar: "Cigarro não faz mal. Meu médico fuma!?!".

No passado (não tão distante), médicos foram utilizados como garotos-propaganda de marcas de cigarros.

O ideal seria termos todos os médicos engajados no combate ao fumo. Qualquer especialidade médica tem algo a dizer ao seu paciente fumante, que pode contribuir para que ele(a) consiga estimular-se rumo ao abandono do tabaco ou, no caso dos médicos pediatras, para que os pais tenham consciência do mal que podem provocar, expondo as suas crias às substâncias assassinas.

 Apesar de mal pagos, os profissionais de saúde são o último obstáculo à epidemia tabágica. Como no Brasil, por exemplo, 25% dos médicos ainda são fumantes, podemos imaginar que temos muitas oportunidades para avançar nessa luta.

Médico fumando num quarto de hospital, no início do século passado. Imagem inconcebível nos tempos atuais, porém, ainda existente em diversos consultórios que conheço...

Um belo exemplo de seriedade no controle da poluição tabágica: bem na entrada do hospital, uma placa avisa à todos que a ele recorrem ou lá trabalham, que a partir dali, o fumo está proibido. ( Hospital São Lucas, Copacabana, Rio de Janeiro ). Isso seria o mínimo a esperar-se de uma unidade de saúde moderna.


O Globo, 28/nov/2003

 

O Prefeito da cidade do Rio de Janeiro, César Maia, vem de tomar uma decisão importantíssima para o movimento contra o fumo: banimento do tabaco em hospitais e postos de saúde municipais.

O que pode parecer o óbvio ululante é um passo extremamente de vanguarda. Espero, em nome do Pai eterno, que os prefeitos dos demais 5 mil municípios do Brasil sigam o exemplo do carioca, nas próximas horas.

 As unidades de saúde têm de ser motores do movimento que pretende evitar que cheguemos às 10 milhões de mortes anuais estimadas pela Organização Mundial da Saúde, para 2020, por doenças relacionadas ao fumo, se nada de consistente fizermos para evitá-las.


Kamil Yavuz_cartunista

Campanha para que os profissionais de saúde parem de fumar

Em 2005, como se estivesse acordando de um sonho esplêndido, a Organização Mundial da Saúde se lembra de que os profissionais de saúde são aqueles que mais podem contribuir para o controle do Tabagismo, e lança a campanha convocando-nos, com uns 15 anos de atraso:

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World No Tobacco Day 2005

Profissionais de Saúde contra o Tabaco: Ação e Respostas.


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