Capítulo 26

E O "FUTUM", O CHEIRO DA FUMAÇA?


O fumo fede...

O fumante leva um tempo para se acostumar aos efeitos da nicotina, como já vimos, com aqueles enjôos iniciais, tonteiras, etc. O mesmo acontece com o cheiro da fumaça do cigarro. Depois de drogadicto, o fumante já tem dificuldade de sentí-lo, não o estranhando mais, de tal forma se identificou com ele.

 

Bernardo, O Parvo

Não vamos nos enganar, no entanto, porque na verdade a fumaça do cigarro fede. Que o dependente em nicotina não ache isto, é um problema dele, mas que fede, fede...

A fumaça do cigarro está sendo mandada para a rua. Vale a pena entrar para uma dependência desta?

Tenho uma amiga, a Helô, que radicaliza, não namorando fumante. Ela pensa que na hora do beijo vai ter que sentir aquele futum e aquele gosto amargo. Já disse-lhe que poderia estar perdendo uma grande pessoa, que o amor é lindo e que ele poderia parar de fumar depois, com o convívio com ela, mas ela é irredutível : "Sou gostosa e cheirosa, se posso escolher, porque vou ter que encarar um brother com catinga". Esta conduta era muito comum no homem de antigamente que proibia "sua" mulher de fumar, entre outras coisas, por causa do cheiro. É o sinal dos tempos!

Radicalismos à parte, o fato é que a fumaça fede mesmo.

O que acontece com o fumante é que ele precisa repor a nicotina, se estiver num restaurante com pessoas em volta, almoçando ou jantando, azar o das pessoas. Há alguns mais abusados, que sacam do bolso um charutão fedorento após o repasto.

O fumo antes de ser queimado não tem um cheiro legal (exceto, alguns fumos de cachimbo), a fumaça propriamente dita fede mas, nada se compara a um cinzeiro cheio de guimbas e cinzas. Este último incomoda até ao próprio fumante. Após uns cigarros apagados num cinzeiro, durante uma reunião social ou mesmo numa mesa de bar, o anfitrião, ou o garçom, vem sempre com aquele cinzeiro limpo, para aliviar a barra. Imaginem vocês optando por entrar num vício fedorento. É demais, não é não ?

Ykenga, Cartunista

A roupa do fumante, seus cabelos, sua casa, tudo passa a feder a cigarro. Só ele é que não sente mais. Há uma explicação para isto, além de haver se acostumado ao cheiro, o olfato do fumante está diminuído, não só para a fumaça, para tudo. O fumante vai perdendo o olfato ao cabo dos anos.

Dois fatores contribuem para isto. Por um lado, a inflamação da mucosa nasal, por outro, as substâncias químicas da fumaça que afetam as células receptoras nasais responsáveis pelo olfato.

Vale parabenizar a família Laskowsky (Helena e seus filhos Nelson e Mauro), criadora de um dos melhores restaurantes do Leblon (meu bairro), um lugarzinho lindo, chamado Fellini. Em agosto de 1996, a família tomou a decisão de proibir o fumo no interior do estabelecimento. Esta decisão, corajosa e inédita, acabou por render-lhes frutos. O espaço vive, merecidamente, cheio de gente. Chovem felicitações pela idéia. Colado na pequena porta de vidro da entrada, um convite: "Restaurante para não fumantes". Helena, a matriarca (se é que se deve chamar assim alguém tão jovial) esclarece que, tendo o prazer da degustação, capricha na elaboração de pratos deliciosos, incompatíveis com o cheiro desagradável da fumaça dos cigarros.

Restaurante Fellini (Leblon, Rio de Janeiro), somente para não-fumantes

Enquanto isto ocorre com algumas pessoas, outros proprietários de restaurantes optam por manter toda a clientela possível e, sentindo-se ameaçados de perder fregueses, preferem "agradar" a ambos os grupos: fumantes e não fumantes. Para isto, associam-se a um programa chamado, singelamente, de CONVIVÊNCIA EM HARMONIA. Este programa diz que "por trás da fachada de qualquer bom hotel ou restaurante, existe uma longa e honrada tradição, para os quais a hospitalidade é nata e a cortesia e a harmonia estão no sangue". Este programa afirma que "não tomamos posição sobre a questão do fumo" e, mais ainda, "assim como oferecemos uma grande diversidade de comidas, vinhos, música e entretenimento, a disponibilidade de áreas para fumantes e não-fumantes simplesmente oferece aos nossos clientes mais um serviço, uma área na qual ele se sinta confortável". Para completar este compêndio de retórica, que faria corar a escritora inglesa Doris Lessing (autora da mais fantástica obra de ironia à falação desenfreada e ao blábláblá das lideranças mundiais - Os Agentes Sentimentais), vejam como se encerra o folder: "O conceito que criou a Convivência em Harmonia reflete a filosofia secular que reconhece as diferenças enquanto permite que coexistam em harmonia".

Para completar, utilizam-se do símbolo do YIN e YANG, um símbolo poderoso e profundo, vindo da cultura oriental e que quando desenvolvido, imagino que jamais poderia ter serventia tão malévola quanto justificar a fumaça de um entrando no nariz do outro, mesmo que em harmonia, carreando milhares de substâncias tóxicas e mal-cheirosas.

O símbolo chinês milenar do yin-yang foi pervertido pelos embusteiros da indústria do tabaco.

Para comprovar que este programa tem claramente motivação de não perder clientes, vejam as propostas do Sr. Nelson de Abreu Pinto, ao iniciar o terceiro mandato consecutivo como presidente do Sindicato dos Hotéis, Restaurantes, Bares e similares de São Paulo (fonte: Revista Ticket, ano 2, no. 13, Jan./99), estas são suas propostas para melhorar o faturamento: "redução das taxas dos cartões de crédito, redução das taxas de financiamento, prorrogação do prazo para instalação das caixas registradoras lacradas e PROCURAR CONSOLIDAR O PROGRAMA CONVIVÊNCIA EM HARMONIA".

Portanto, queridos amigos, convivência em harmonia é plataforma de governo de presidente de sindicato de dono de restaurante. Que lindo!!! Bom trabalho para vocês fazerem: pesquisem os restaurantes que tenham o plástico do programa de Convivência em Harmonia e perguntem ao mâitre, o que existe naquele estabelecimento, além do desejo do dono em não perder clientes (já que o dinheiro de fumantes e não fumantes tem o mesmo valor), que possa fazer com que a fumaça de uma mesa não passe para a mesa situada, por exemplo, à 10 metros de distância. Em todas as vezes que realizei esta pesquisa, iniciava pelo garçom-com-cara-de-sem-graça, que me enviava ao mâitre-o senhor-vai-querer-uma-mesa-ou-não, aí era encaminhado ao gerente-o-que-que-o-senhor-está-querendo e, por fim, me informavam que deveria voltar mais tarde para falar com o proprietário-que-não-sei-quando-vai-estar-aqui. É importante lembrar que, muito mais do que para os comensais não fumantes, inexistir fumaça num ambiente fechado, como no de um restaurante, seria benéfico principalmente para os garçons, mâitres e gerentes, os principais afetados pela exposição permanente ao fumo alheio.

Lembre-se que um garçon trabalha de 8 a 10 horas por dia, seis dias por semana, num ambiente cheio de poluentes tóxicos. Pense que ele trabalhará lá por 10, 20, 30 anos. O tabagismo passivo é considerado hoje a terceira maior causa de morte evitável (a primeira é o tabagismo ativo e a segunda é o alcoolismo). A chance de que ele desenvolva uma doença tabaco relacionada é imensa e inaceitável, a não ser, é claro, pelos idealizadores de projetos como o Convivência em Harmonia.

Ykenga, Cartunista

Diversos sindicatos de trabalhadores em bares, pubs e restaurantes, estão preocupados com o risco de adoecimento de seus associados expostos compulsoriamente à fumaça dos outros. Pelo mundo, centenas de leis estão sendo criadas para protegê-los(1). Apesar disto, no final de setembro de 2004, no Rio de Janeiro, quando o prefeito da cidade, César Maia, afirmou que ia fazer cumprir a lei federal 9294/96, que proíbe o fumo em lugares públicos fechados de uso coletivo (shoppings, restaurantes, etc.), logo surge a trupe do 'deixa disso' e do 'nós vamos colocar exaustores': Comércio luta para manter fumantes

  E, como fede...

Campanha australiana

Todo mundo nesta mesa está fumando...

Stanton Glantz

Tobacco Scam _ Projeto do Professor de medicina Stanton Glantz, da Universidade da Califórnia, São Francisco, EUA. Um movimento a mais para barrar a indústria do tabaco nos Estados Unidos, informando como eles usam e abusam da indústria dos restaurantes e da hospitalidade americanas.

Reproduzo uma carta da artista plástica Gláucia Cupertino, enviada ao jornal O Globo: "OS FUMANTES DEVIAM PENSAR NOS OUTROS - Acho um absurdo essa história de fumar em restaurante. Existe essa lei que proíbe mesmo? É impossível saber, já que ninguém respeita. Os restaurantes têm as divisões para fumantes, mas na prática isso não acontece. Outro dia avisei ao mâitre de um restaurante que havia uma pessoa fumando na mesa ao lado, área proibida. Ele desculpou-se, mas disse que não poderia incomodar o cliente. E eu, posso ser incomodada pela fumaça? E o meu bem-estar? Será que as pessoas não conseguem ficar sem fumar meia hora, pelo menos? Cumprir a lei durante um tempinho? Comida não combina com cigarro. Acho que, para os mâitres e gerentes serem poupados desse 'constrangimento', os clientes poderiam respeitar o sagrado espaço dos outros".

Em Lubbock, uma pequena cidade americana, um garoto de 11 anos, Amit Bushan, que sofria de asma, desenvolveu uma fantástica campanha contra o fumo em restaurantes, boliches e casas de vídeo games. Sempre que ia a esses lugares, tinha crises de asma e decidiu mexer com toda a cidade, clamando por leis para que mais lugares em sua cidade fossem smoke-free (livres de fumaça). A campanha chamou-se STOP TOBACCO IN RESTAURANTS - STIR.

Tem muitos lugares banindo a fumaça mundo à fora(leia os artigos_em inglês)

No meu estado natal, no Rio de Janeiro, obtivemos uma incrível vitória. À despeito do movimento feito pelos Sindicatos dos donos de bares restaurantes e hotéis, como vimos acima, no sacana Programa de Convivência em Harmonia (uma das milhares de sacanagens feitas pela indústria do tabaco e seus braços armados _ marketeiros, publicitários, advogados, comerciantes, cientistas comprados e políticos vendidos), o Presidente do Sindicato dos Garçons, Barmen e Mâitres, entra na luta pela saúde de seus afiliados, assim como, indiretamente contribuem para a saúde dos frequentadores destes lugares.

foto que faz parte da Campanha do Ministério da Saúde / 2005

Enfim, mais categorias entram na luta contra o serial killer.

Kamil Yavuz © Cartunista de Istambul


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