Capítulo 21

AS CAMPANHAS PUBLICITÁRIAS, AS FAMIGERADAS PROPAGANDAS DE TABACO

Creio que só haja duas coisas infinitas: o cosmos e a estupidez humana. Quanto ao cosmos, eu ainda tenho alguma dúvida.

Citação de Albert Einstein, repassada pelo epidemiologista Guido Palmeira





Uma das principais razões para o tabagismo ser a mais importante doença no mundo atual, deve-se ao fato de existir grupos poderosos interessados em produzir e vender tabaco. E, para isto, contam com o prestimoso auxílio de legiões de publicitários, sempre, e cada vez mais, criativos.

Os micróbios que causam as doenças infecciosas, que assolam principalmente os países em desenvolvimento, não recebem ajuda especializada em marketing, vendas, propaganda, antropologia, psicologia, sociologia, etc. Eles têm de se virar sozinhos, contando apenas com as más condições de saúde e de educação das populações destes países. O tabaco, entretanto, para exercer a cada dia mais de seu cartel de maldades, precisa de muita ajuda externa.

As campanhas publicitárias tem como base o desejo. As mensagens são quase sempre com algo que gostaríamos de ter ou ser e os publicitários tentam fazer com que o produto que eles queiram vender passe a impressão de que uma vez possuíndo-o, o sonho tornar-se-á realidade. Os anúncios de cigarro não querem convencer vocês de que fumar é bom, para isto utilizando-se de argumentos racionais. Os publicitários querem sim persuadí-los, fazer com que vocês passem a querer fumar sem uma clara percepção do porquê.

Por exemplo, os homens, em sua tradicional vocação para aumentar a espécie, gostariam de ter uma companhia feminina para esta tarefa. De preferência, uma companhia feminina de parar o trânsito, linda como ela só. O que as imagens do tabaco passaram por décadas: "fumem o nosso cigarrinho e vocês ficam poderosos". Como podiam fazer isso? Colocavam uma mulherzona lindaça acendendo o cigarro do otário, de preferência, fazendo beicinho.

No início do século 20, o objetivo da indústria tabagista era vender cigarros apenas para o homem. Portanto, a imagem da mulher era utilizada exclusivamente por ser o maior objeto do desejo masculino.

Lembrem-se que, naquela época, não havia televisão, nem outdoors, nem reloginhos de rua que marcam hora e temperatura. Além de algumas poucas revistas e jornais, os próprios maços de cigarro eram o grande chamariz. Eis aqui, alguns exemplos da criatividade do pessoal de marketing do início do século passado:

Cigarros Dalila

Deve ter sido o maior furor da época. A Dalila completamente nua, quando as mulheres ainda iam à praia vestidas. Coberta apenas por um tecido transparente, fumando com a mãozinha direita.

Cigarros Salomé

Morena de grandes olhos negros e os lábios pintados em forma de coração. 1918.

Cigarros Primavera

Mulher voando nua, a libélula envolta por tecido transparente.

Cigarros La Pavlova

Homenagem a uma bailarina russa, Ana Pavlova.

Cigarros Elite

Extrapola, coloca duas mulheres, uma menáge à trois (incluindo o fumante). Está escrito que "era o cigarro preferido dos salões da sociedade".

Cigarros Flirt

Mulher sob ventania, com as roupas tremulando e uma "sombrinha" à mão. Olha com o rabo do olho, com ares de desprotegida. Década de 20.

Cigarros Favoritos

Mulher solitária dirigindo um imenso carro vermelho conversível, dois sonhos masculinos. Década de 20.

Cigarros Yolanda

Louraça de sombrancelhas negras, faz biquinho. Diz-se que era conhecida como a "loura infernal".

Cigarros Marly

Mulher estilo cigana, com olhos entreabertos e colo exuberante.

Cigarros Eldorado

Mulher do campo. Levanta displicentemente a saia do seu vestido vermelho, com o fungar do bichano sobre sua perseguida. Anos 40.

Ainda na fase _ "cigarro é coisa de homem" _ , temos os cigarros Columbia, os primeiros maços embalados em papel celofane e os mais caros do mercado da época. O desenho no maço era um navio de guerra com canhões, singrando um mar revolto. Havia também os cigarros Jockey Club e Turfe Club, explorando a paixão que muitos tinham pelas corridas de cavalo. Já os maços de cigarros Fulgor tinham até cheques de cinquenta mil réis dentro de maços, para alguns sortudos. Existia uns maços artesanais que podiam vir com o nome do fumante estilizado, eram maços personalizados. Ah! Ia me esquecendo dos cigarros Veado, com o desenho do animal estampado.

Bom, esta forma de atrair o incauto, usando estas imagens femininas e outras que atraiam o universo masculino, foi pouco a pouco se modificando. Uma vez que, a partir de determinado momento, especialmente no pós segunda guerra mundial, as mulheres passavam a interessar às indústrias do fumo, não mais apenas como inspiração para as vendas, mas como consumidoras, logo no início dos anos 50. Passado o nervoso da guerra, mundo novo, novas e grandes mudanças nos costumes, etc.

A partir do início dos anos 50, começaram a chegar ao Brasil os cigarros importados, sendo o primeiro deles o Camel (com a figura do camelo), vindo logo após o Chesterfield e o Pall Mall. Aliás, o mercado de cigarros brasileiro foi perdendo a sua identificação com a língua natal, a portuguesa, passando a adotar a da nave mãe. Certamente, passaram a achar ridícula a possibilidade de manter-se denominações tão terceiromundistas como Favoritos, Elite, Salomé ou Veado. Quando eu tirei a minha carteira de motorista, o local que a gente levava o carro para trocar o óleo do motor chamava-se "Troca de óleo". Agora, os postos modernosos têm um setor denominado "Technical Oil Change Center". Dando um salto para os dias atuais, a mudança já começa na apresentação do tipo de cigarro: slims, ultralights, low tar, one, box, flip top, etc. Para compensar a pobreza dos Delícias de Cuba e Columbias da vida, criaram: Charm, Carlton, Free, Hollywood, Ritz, Hilton, Plaza, Derby, Minister, Belmont, Chanceller, Galaxy, Parliament, Dallas, Capri, Palace, Lark, Mustang, etc. Provavelmente, graças à essa justa preocupação, hoje somos um país que pronuncia bem Grammy, Oscar, MTV, McDonald's, beach soccer, delivery, download, reply, double-cheese ou, pasmem, George W. Bush.

Voltemos, ora pois pois, à nova fase _ "cigarro é coisa para mulher e para homem". Os anúncios passavam a destacar a presença de homens em situações de extrema virilidade veladas ou explícitas, exemplarmente demonstrada nos anúncios dos cigarros Marlboro, com aquele final apoteótico que dizia "Terra de Marlboro, onde os homens se reúnem". Este tipo de mensagem atinge o inconsciente tanto masculino quanto feminino da época. Os homens se ligavam no macho por se identificarem com ele, quererem ser como ele, e, as mulheres, por desejarem tamanha manifestação de masculinidade, para protegê-las e gerarem crias fortes e saudáveis. Nos nossos imaginários, se fumasse tal marca se tornaria um herói corajoso e belo e, no caso das mulheres, fumar aquela marca certamente lhe garantiria um companheiro com aquelas características.

Sempre me inquietei com a imensa quantidade de cavalos dos filmes e fotos das propagandas do cigarro Marlboro. Tudo bem, que o império da vez, aquele que está ditando as regras, é o americano. Quem melhor representa o homem americano que o cavaleiro_cowboy? Mesmo assim, achava que era cavalo demais. Os anúncios, eram para vender cigarros e não impor o american way of life... Um dia, resolvi abrir meu dicionário de símbolos, vício de meu tempo de médico homeopata unicista, e procurei o que lá havia sobre cavalo. Talvez tenha encontrado o motivo para a turma da publicidade do Marlborão colocar tanta imagem eqüina _ o cavalo representa, nada mais, nada menos do que:

A IMPETUOSIDADE DO DESEJO.

A cavalaria vai em direção aos maços de Marlboro, mantendo sempre cavalos disponíveis para vocês, adolescentes...

  Ferrari, 2003

Portanto, o cigarro mais vendido do mundo, produzido pela maior indústria tabagista do mundo (Phillip Morris), quer fazer-se desejável e usa o próprio símbolo do desejo para influenciá-los, bem lá no fundinho do inconsciente de vocês.

AFP - 17/06/2001

Hélio Castro Neves, vencedor do GP de Detroit (USA) de Fórmula Indy, pilotando carro com centenas de cavalos, comemora enrolado com a bandeira brasileira, expõe o troféu de vencedor, porém, não esquece de deixar visível a logomarca do patrocinador. Assim, ao invés de associarmos o fumo à imagem de um veneno, que mata, associamos, de forma totalmente equivocada, o fumante à imagem de um vencedor.

AFP

  Yamaha, 2004

Valentino 'Gauloises' Rossi, o maior piloto de motovelocidade do mundo, vendendo os cigarros franceses Gauloises

A Bola

alexandre 'camel' barros.jpg (9579 bytes) Honda, 2005

Alexandre 'Camel' Barros vence o Grande Prêmio do Estoril (17/04/05) divulgando o matador de gente Camel

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Ilustração de Ziraldo (Brasil) - Campanha do Ministério da Saúde

A evolução dos tempos, com as correspondentes mudanças nos mais variados campos do conhecimento humano, foram sofisticando a agudeza do publicitário em estar em sintonia perfeita com os desejos, ocultos ou não, da massa das pessoas. A grosso modo os desejos não se alteraram muito, apesar do correr do século. Carros bonitos, mulheres bonitas (já agora acompanhadas de homens igualmente bonitos), ambientes luxuosos, etc.

Os anos setenta trouxeram uma tendência mais clara no Brasil, a de atingir-se um público mais jovem, com campanhas de grande apelo para a audácia, a coragem e as vitórias esportivas.

Vocês, adolescentes de hoje, não vivenciaram as memoráveis vitórias de Emerson Fittipaldi, pilotando uma Lótus preta, cor do maço dos cigarros John Player Special, sendo o primeiro campeão de Fórmula I brasileiro; aliás por falar no Emerson, li outro dia no jornal O Globo que, além de ser o produtor de laranja que é, quer tornar-se importador de charutos (!!).

Emerson Fitipaldi  

A Lotus preta_ cigarros John Player Special (JPS)

Durante algum tempo, o nosso segundo campeão mundial de Fórmula-1, Nelson Piquet, também pilotou uma Lotus, só que amarela, já que o patrocinador mudara. Passara a ser o cigarro Camel. Para a escuderia Lotus, pouco importava ter uma tradição na cor de seus carros, quem mandava era a indústria de cigarro e estávamos conversados... Nelson Piquet ainda participou, anos depois de abandonar a F-1, das "24 horas de Le Mans", com a marca Hollywood no peito, assim como Maurício Gugelmin e Gualter Salles na Fórmula Indy voaram baixo sob o mesmo patrocínio.

Nelson Piquet

A Lotus amarela_ cigarros Camel

Este filão das provas de velocidade, continua sendo explorado até os dias atuais. O circo da Fórmula I, assim chamado por correr os quatro cantos do mundo tal qual os grandes circos internacionais, tem nos fabricantes de cigarros seu principal patrocinador. Um de nossos mais completos pilotos da história, Ayrton Senna, foi tricampeão de Fórmula I, pilotando carros patrocinados pelos cigarros Marlboro, aliás os mesmos que patrocivam Emerson Fittipaldi na Fórmula Indy, campeonato ainda restrito aos EUA, Canadá e Austália e Brasil, mas que vem crescendo bastante. A Philip Morris, fábrica dos Marlboros, já patrocinou ( ou ainda o faz ) Senna, Emerson , Raul Boesel, Rubens Barrichelo e André Ribeiro, Hélio Castro-Neves e Gil de Ferran. Em Setembro de 97, o piloto Tony Kanaan ganhou o título da Fórmula Indy Lights, com o mesmo patrocínio. Isto, sem contar com o apoio ao Alexandre Barros, nosso campeão de motociclismo.

 

O campeão Ayrton Senna corria com os carros da escuderia Williams, a sua última equipe, em 1994, patrocinados pelos cigarros Rothmans e tinha grandes chances de tornar-se tetracampeão mundial, divulgando mundo afora mais uma marca de cigarros.

Ayrton Senna

levou as imagens dos cigarros Camel, Marlboro e Rothmans pelos quatro cantos do mundo, a bordo de Lotus, McLarens e Williams

No ano 2000, a participação do piloto Rubens Barrichelo, no comando de uma Ferrari, seguramente encheu o Brasil com imagens dos cigarros Malboro. Parecia haver surgido o substituto do Senna, para a exploração do marketing da maior indústria de tabaco do mundo. Do ponto de vista da saúde pública brasileira, a nossa sorte é que ele não ganha quase nunca. Do contrário, a marca Marlboro teria sido explorada até vomitarmos.

A NET ( TV a cabo brasileira ) e os cigarros Malboro caíram sobre Rubens Barrichelo, como formigas num pote de mel. O Rubinho-lindinho-engraçadinho não aparecia mais sem o bonezinho na cabeça. Quem vocês acham que podiam ser influenciados por ele?

Rubinho, versão 2001, depois da lei federal brasileira, que proíbe a propaganda de cigarros na mídia, seguiu, por um breve tempo como garoto-propaganda da empresa de TV à cabo, porém, mostrando a bela testona, ao invés da marca do cigarro. Foi preciso de uma lei para o bom senso ser utilizado. Curioso, que depois disso, ele logo deixou de ser garoto-propaganda da Net. Na verdade, ele só interessava enquanto tinha o bonezinho com a logo do Marlboro. Sem ele, não tinha mais nenhuma graça.

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Para os profissionais de saúde brasileiros, para os ministros da saúde, do meio ambiente e da fazenda brasileiros e para os que precisam enfrentar filas nos centros de saúde e hospitais brsileiros, graças a Deus que quem chega na frente é sempre o alemão. Problema fica para os ministros alemães da saúde, do meio ambiente e da fazenda.

Hikmet

É bom chamar a atenção de vocês, para o fato de que, em algumas pistas européias, os carros de corrida tem que retirar os nomes dos cigarros da lataria, dos macacões dos pilotos e da equipe, assim como dos outdoors espalhados pela pista, uma vez que lá já se conseguiu leis mais severas para evitar a divulgação de algo que, volto a lhes assegurar, é terrível para a saúde. É válido o debate sobre a liberdade de expressão que, estaria em jogo neste momento, porém, me arrisco a dizer que não consigo vislumbrar uma saída ética para este impasse. Há já alguns anos, nas corridas de Fórmula I disputadas na Alemanha as pistas estão livres das marcas. A partir do ano de 1996, no Grande Prêmio da Inglaterra, em Silverstone, também houve a mesma proibição. A França, com o seu circuito de Magny Cours, também tem servido de exemplo para o mundo.

Folha de São Paulo, 13/02/2004

Enquanto isto, como a propaganda tabagista está sendo proibida nas principais pistas da Europa, os espertalhões da indústria do fumo forçam os dirigentes da Fórmula 1 a buscarem novos locais para receberem as provas de automobilismo. Claríssimo está, com a garantia (se danem os seus habitantes e os que assistirem às imagens) de que a publicidade de cigarros seja totalmente liberada sem restrições. O Bahrein construiu um autódromo às pressas e outros estão em vista de surgirem na Índia, nos Emirados Árabes e em Hong Kong.

Podium do Grande Prêmio da França, em Magny Cours, 02/07/2001.

Graças ao discernimento e à lucidez de parlamentares franceses, esta cena, no podium de Magny Cours, França, difundida em jornais de todo o mundo. Em pelo menos em cinco locais diferentes, os macacões e bonés dos pilotos da Ferrari não expuseram a marca do patrocinador, o maior matador de pessoas do planeta...

Podium do Grande Prêmio da Inglaterra, 15/07/2001.

Menos de duas semanas depois, na Inglaterra, a logomarca do patrocinador dos pilotos Ferrari também desapareceu do mapa. Acompanhem as corridas na Malásia, Hungria, Brasil, etc. e vejam o que acontece...

sobre foto da Associated Press (20/jul/2003)

Rubinho foi o vencedor do Grande Prêmio de Silvestone, Inglaterra, de 2003, mas onde está a palavra MARLBORO no macacão do bonitão? Aquela que ele portava no Grande Prêmio do Brasil do mesmo ano, aquele em que o nosso governo editou medida provisória adiando a lei brasileira que proibia publicidade na Fórmula 1 para 2005?

Michael Schumacher usou macacão sem a palavra Marlboro, na penúltima prova do ano de 2003, em Indianápolis, nos Estados Unidos. Nesta prova ele obteve importante resultado que o deixa a apenas 1 ponto de sagrar-se hexacampeão mundial de F1. A marca do cigarro não fez nenhuma falta à sua alegria e a sua vitória sem estampar a logo da Philip Morris deixou de influenciar milhões de jovens pelo mundo todo. Nos EUA, França e Inglaterra, os carros têm de correr sem anunciar o nefasto. Entretanto, nos países menos informados ou mais colonizados, as indústrias de tabaco fazem carinha feia, biquinho, batem os pezinhos no chão e ameaçam colocar os colonizados travessos de castiguinho, escrevendo 100 vezes no quadro negro: ' Titia indústria mandou deixar os anúncios de cigarros nos carrinhos, macacões e capacetes, ou não tem mais brincadeirinha '.

No final da década de 90, o Sr. Max Mosley, presidente da Federação Internacional de Automobilismo (FIA), declarou à imprensa internacional que, se a pressão da União Européia continuasse desta forma (evolui um grande movimento visando impedir a propaganda de cigarros em toda a Europa), como a indústria do cigarro é a maior patrocinadora do circo, ele ameaça transferir todas as provas européias para a Ásia. Um cliente meu que é inglês, me revelou algo que eu desconhecia (que pode não querer dizer nada e pode dizer tudo): o Sr. Mosley é filho de Oswald Mosley, a maior liderança do British Nacionalist Party (Partido Nacionalista Inglês), ou seja, o ramo ingles do partido nazista. Pesquisas realizadas na Europa mostraram uma incidência significativamente maior de adolescentes fumantes entre adeptos da Fórmula I, do que entre os que não acompanham as corridas. Aliás, nada mais óbvio, porque parece estar claro que a indústria de cigarros não aplica tamanha verba publicitária (dizem que são quinhentos milhões de dólares por ano), se este esforço não tivesse um retorno garantido. Não sejamos ingênuos, esta indústria está pouco se lixando para os esportes, ela usa estes palcos apenas para influenciar decisões.

Turkish Press, 21/08/05

 

Apesar da pressão da indústria do tabaco, via Federação Internacional de Automobilismo, Kimi Raikkonen venceu o GP da Turquia de Fórmula I, em 22/08/05, sem que o seu bólido Mc Laren-Mercedes ostentasse a logo dos Cigarros West. O GP turco é mais um em que não é permitida a propaganda de fumo.

K. Yavuz

Aliás, o nosso cartunista Kamil Yavuz, que é turco (de Istambul), fez este pequeno cartoon para manifestar a sua opinião sobre o patrocínio das corridas pela indústria do tabaco.

 

Um dos principais desejos ocultos da humanidade é o poder. Este pode ser representado pela POTÊNCIA e a virilidade. A capacidade de gerar filhos, de engravidar a fêmea, seria uma destas potencialidades. O Doutor em comunicação pela Universidade de São Paulo, Flávio Calazans, autor do livro PROPAGANDA SUBLIMINAR MULTIMÍDIA nos chama a atenção para, no maço de CAMEL, haver a imagem de um dromedário e não de um camelo. Seria absolutamente impossível que os responsáveis pelo desenho do Camel desconhecessem que um camelo tem duas corcovas. Já a imagem utilizada daria a entender uma camela grávida, portanto, sendo uma imagem diretamente direcionada para os nossos inconscientes, fume CAMEL e torne-se potente. Quando lançado, o público-alvo do CAMEL eram homens de 50 anos...

 Mensagem para o inconsciente das pessoas

A mesma pergunta, o especialista em comunicação, Flávio Calazans, nos faz: " porquê as letras L e B, do maço de Marlboro, apesar de minúsculas, estarem maiores do que o M, maiúsculo? ". Será que os idealizadores de uma das logomarcas mais famosas do mundo não saberiam escrever? Juntas, as letras L e B evocariam a imagem de um pênis. O falo (pênis) funciona como um símbolo de poder, tal como uma espada.

extraídas da page da Trip

Por aqui, a marca que mais buscou a identificação com o público jovem foi a Hollywood. Fora dos tempos de crise econômica, sem o "down trading"(opção por marcas mais baratas ou pelas contrabandeadas), era o cigarro mais vendido no Brasil. Para manter esta liderança e penetração entre vocês, emergiu como a grande benfeitora do Rock, patrocinando por longos anos o maior evento nacional regular de Rock, o Hollywood Rock, além de manter um patrocínio semanal na televisão, que também levava o nome de Hollywood Rock. Primeiro a marca prometia o sucesso, depois com a profusão de informações a respeito dos males do fumo, passou a não dizer mais nada. Seus anúncios passaram a ter apenas impacto visual, sem nenhuma mensagem verbal, exceto em músicas, porém, como a maioria não entendia as palavras que estavam sendo cantadas, o que valia mesmo era o ambiente criado. À beleza das imagens, produzidas na maioria das vezes no exterior, associavam-se sempre os esportes. Com uma característica básica: vanguardismos. Quando não se conhecia asa-delta por estas paragens, lindas imagens de vôos de asa-delta, e assim foi com parapentes, jet-skis, grandes corridas de bugres no deserto, windsurf, patins, etc. A poluição visual das cidades brasileiras pela marca Hollywood foi impressionante, principalmente, se levarmos em conta que o que estava sendo anunciado era um produto que causa dependência física e psíquica. Inicialmente, eram outdoors simples. Passou-se, com o avanço tecnológico, a usar-se outdoors iluminados, novamente sem qualquer mensagem escrita, apenas a visual. A marca passou a ser perfeitamente identificada por onde vocês passassem e a qualquer hora do dia e da noite. Era comum chegar-se em um clube ou condomínio e encontrar-se, em todas as barracas que rodeavam as piscinas, a marca Hollywood. Era um marketing agressivo, pesado mesmo, porém, os lucros pareciam justificar os gastos. Na revista Veja, de 17 de Junho de 1998 (ano 31 n0.24), há uma reportagem que exemplifica bem o que acabamos de afirmar: a Souza Cruz (leia-se Hollywood) acabava de produzir a campanha de publicidade mais cara já feita no Brasil, com imagens na geleiras da Antártica, em dunas na Namíbia e, no Grand Canyon, no estado do Arizona (EUA). Até o solitário navegador Amyr Klink foi seduzido pela indústria, participando como orientador da expedição à Antartica. Klink afirmou: " procurei evitar algum desastre ambiental ". Com estas declarações, fica confirmada a idéia de um amigo meu que diz que, na Terra, existem cegos guiando cegos. Alguém diz que procurou evitar um desastre ambiental que poderia ocorrer durante filmagens de um comercial de cigarros, esquecendo-se, talvez, de que aqueles comerciais por ele possibilitados de serem feitos, fazem parte de uma campanha que ajuda a vender algo que, em duas décadas, estará matando 10 milhões de pessoas por ano no mundo. Parece que o Amir Klink gostou mesmo de trabalhar para a indústria fumageira, pois, quem patrocinou sua primeira experiência em 2000, no rally Paris-Dakar, foram os mesmos cigarros Hollywood. Será que ele também foi proteger o deserto de algum problema ambiental ? O marketing que já propôs o SUCESSO para seduzir os futuros fumantes, passou a dizer NO LIMITS, quer dizer, enquanto os movimentos antitabagismo alertam para as doenças e as mortes precoces provocadas pelo tabaco, a campanha do Hollywood queria seduzir vocês, adolescentes, com a idéia falsa de liberdade, de potência e de conquistas sem limites. Em relação ao tabagismo, posso garantir a vocês que há limites. Limites à capacidade respiratória, limites à potência sexual, limites ao tempo de vida, limites ao funcionamento do coração e de outros músculos, limites ao paladar e ao olfato, limites à gravidez, limites à inteligência, em fim, limites é que não faltam em relação ao tabagismo. A dependência provocada pela nicotina, para a maioria dos que entram em contato com a droga é que, infelizmente, costuma não ter limite.

Outras marcas preferem atuar junto a outros públicos, por exemplo, há aquela que apregoa "ter algo em comum com vocês". São os cigarros Free, que vendem a ilusão de que se trata de um fumo saudável. Como faz um discurso supostamente mais inteligente, criou para veiculação da sua marca o patrocínio de um festival, o FreeJazz (que era o único festival de Jazz do Brasil), entendendo este gênero musical como sendo mais elaborado. Além dos festivais propriamente ditos que patrocinava, esteve presente na televisão, com programa especializado em Jazz.

Os cigarros "baixo-teores", afirmam serem a opção inteligente (i.e., seriam cigarros com menos tóxicos). Este tipo de propaganda é uma contradição a mais da publicidade dos cigarros, pois, estaria indiretamente chamando os consumidores dos cigarros "normais" de burros. Os cigarros Free, por exemplo, sempre têm mensagem do tipo duplo sentido: o importante é termos algo em comum, cada um na sua, cada um com seu estilo, etc. Se uma empresa produz um produto que faz mal e depois lança outro que faria menos mal, porém, continua vendendo o primeiro, precisa dar uma explicação à galera. CADA UM COM SEU ESTILO, quer dizer o que ? Um(a) pode preferir fumar um "baixo teor", enquanto outro(a) escolhe um "alto teor". Ou ainda, fumar ou não fumar. A indústria aceita a existência de não fumantes. Passa a mensagem de que intolerantes são aqueles que não aceitam a existência dos fumantes. Se um sexto dos terráqueos fuma, para a indústria não há qualquer problema no fato de que existam aqueles que não fumem. Manter esta taxa, já seria algo bastante promissor.

Em meus sonhos, a modelo fotográfico que ajuda a vender maços do Free, utilizando-se do Festival de Jazz de 2001, estaria tentando avisar a turma de fumantes que não consegue perceber o embuste. "Cada um com o seu estilo, mas com alguma coisa em comum"( parece encontro de dois pacientes no Hospital do Câncer, tratando câncer de pulmão, sendo que um fumava cigarros de alto teor e, o outro, de baixo teor de nicotina).

 

Mais uma mentira dos cigarros Free, pois, um drogadicto não é livre

Um grande número de artistas se recusou a vir ao país quando descobria que seu show seria patrocinado pela indústria do cigarro. Muitos vinham, entretanto, para um Free Jazz, sem saberem que quem o patrocinava o evento era uma empresa de cigarros. Acabavam se exibindo para não desapontar os seus fãs no país. A revista Trip criou até uma carta padrão, para que os fãs alertassem os seus artistas prediletos sobre a possibilidade do engodo, com endereço eletrônico e tudo mais.

Não para aí, a presença das fábricas de cigarros na vida cultural brasileira, por exemplo, um dos raros festivais de dança do país é patrocinado pelos cigarros Carlton, o Carlton Dance Festival. No ano de 1994, ele não foi reeditado por não ser do interesse da indústria, por questões do mercado de cigarros e da economia. Estes mesmos cigarros patrocinam num dos horários nobres da televisão, o Carlton Cine, um progama semanal de exibição de filmes. Em 2001, até a prefeitura de São Paulo deu aval e apoio ao Carlton Arts.

Como os cigarros Carlton são uns dos mais caros do país, evidentemente não têm os adolescentes como principais alvos. Eles visam um público mais abonado e sagaz. Suas campanhas publicitárias são as mais sutis da praça. Exibem mensagens extremamente elaboradas, que buscam alcançar uma comunicação absolutamente inconsciente com o seu público.

Propaganda dos cigarros Carlton, escrita em japonês. Mais sutil do que isso, impossível. Foi publicada na revista Veja. Entramos em contato, via fax, com o Sr. Hasuo, do consulado do Japão, aqui do Rio de Janeiro, que, muito gentilmente, nos traduziu os dizeres da propaganda. Reproduzo as suas próprias palavras: "O japonês é composto de 3 ideogramas, é neologismo. Sendo assim, não existe uma definição clara desta palavra no dicionário japonês. Mas, os 3 ideogramas dão um sentido de - Sensação de imaginar e criar algo". Portanto, a propaganda de cigarros já se utiliza de ideogramas orientais para não dizer nada (já que nem todos somos tão obsessivos para solicitar traduções aos consulados) e fazer vocês e, no caso do Carlton, seus pais, caírem como patos por este charme todo.

Durante a semana que antecedeu a realização da prova carioca da Fórmula Indy de 1997, o Rio de Janeiro teve um de seus mais importantes símbolos maculado (o Pão de Açucar) pela sanha de divulgar uma marca de cigarro, patrocinadora do piloto Maurício Gugelmin. Pela foto de Jorge William (O Globo), documentamos a agressão que foi imposta à nossa cidade. A macaquice inventada para 98, foi desfilar com o carro, preso a um helicóptero, pela orla carioca.

Quando comparamos a mensagem elaborada para divulgar, por exemplo, o Delícias de Cuba no início do século e, todo o aparato que cerca o marketing do Hollywood nos dias de hoje, podemos ter até um pequeno aprendizado quanto à evolução dos tempos modernos. Pena que neste campo estejamos enfatizando o lado perverso da publicidade. Ela também serve para difundir campanhas de alto valor social. Portanto, não estamos aqui fazendo um tratado contra a publicidade ou os publicitários. Eles divulgam o que a lei permite divulgar. Não há nenhum publicitário veiculando anúncios para ressaltar as melhores qualidades de uma determinada partida de heroína. O ideal, para a luta antitabagismo, seria tê-los ao lado da divulgação dos males do cigarro, porém, não pintam os recursos financeiros necessários para tal, ao contrário, as indústrias tabageiras é que acreditam, cada vez mais, que valha à pena gastar.

Pasmem vocês, a indústria do cigarro tem tido recentemente ações visando o social, acabar com o analfabetismo brasileiro, cuidar da educação ambiental, contribuir para eliminar o trabalho infantil, etc. Todas as ações são meritórias, porém, em plena guerra contra o engodo promovido há cinco décadas pela indústria contra a cidadania, com comprovada omissão ou manipulação de informações para a saúde pública mundial, soa engraçada essa preocupação toda. Cinco milhões de pessoas morrem por ano, no mundo, devido ao tabaco, no exato momento em que uma companhia fumageira quer ajudar a sociedade !?!


Adicção, rugas, cataratas e cânceres. 85% dos fumantes começam antes dos 16 anos.

http://www.tobaccofacts.org

Para vocês verem como a indignação contra este estado de coisas não existe apenas em médicos, vou reproduzir aqui um trecho da coluna do Paulo Lima, para a revista InsideNow (n. 105), especializada em Surf. O Paulo, que é editor da revista Trip e surfista, entre outras atividades, assinou uma coluna cujo título foi "O SURF E AS DROGAS PESADAS" e, aqui vão dois de seus momentos de revolta: "... A indútria das drogas vem, de maneira sistemática, se apoderando e usando a energia dessas manifestações artístico-esportivas para despejar suas substâncias nocivas e mortais nas veias e órgãos inadvertidos da própria galera mais jovem. Estamos falando das drogas pesadas, aquelas que mais viciam e matam no Brasil e no resto do mundo: álcool e tabaco." Prosseguindo mais à frente, sobre propaganda passada na TV: "...Num mesmo "break", duelavam os filmes de Hollywood (cigarros) e Malboro. Nos primeiros, cenas incríveis de sandboard (espécie de snowboard trocando montanhas nevadas por dunas de areia). No segundo, os tradicionais cavalos e vaqueiros ganharam a companhia de alpinistas e pilotos de motocross detonando uma pista de terra. No final, tanto em um, quanto em outro, modelos que decididamente jamais subiram sequer na montanha russa do Playcenter, posando de fodões do bairro Peixoto, dando baforadas em seus bastonetes nicotinosos, ao lado de pranchas, motos e de logotipos das fábricas de câncer."

O Paulo Lima, editor da Trip, é o maior batalhador pela conscientização de vocês, sobre o embuste que é a indústria do tabaco. Vale a pena conhecer a page da Trip.

Imaginem vocês, caríssimos amigas e amigos, se os anúncios dissessem a verdade, nada mais que a verdade, como na propaganda abaixo:

_ " Bob, eu fiquei com enfisema ". (Em 1990, segundo a Organização Mundial da Saúde, o Enfisema Pulmonar e a Bronquite Crônica foram a 5a. causa de morte, entre todas as que levaram os seres humanos).

Quanto ao problema da legislação, i.e., porque as leis não protegem mais vocês da massificação de apelos para que vocês fumem, não posso responder. Seria uma boa pergunta a ser feita aos seus futuros candidatos aos cargos dos legislativo. vocês certamente deverão ser procurados por eles, já que o voto no Brasil de hoje é a partir dos dezesseis anos, se ainda não o foram, certamente o serão em breve. Perguntem o que o candidato(a) estaria disposto a fazer para mudar esta situação. São eles que fazem as leis. Aliás, não é só uma questão de ter leis, é também necessário que as já existentes sejam cumpridas, por exemplo, é proibido fumar no interior dos ônibus e, o que costumamos ver ? Tanto o motorista, quanto o trocador fumando, mesmo em dias chuvosos, com as janelas fechadas. O primeiro ministro inglês, Tony Blair, promete acabar com todas as propagandas de cigarros na Inglaterra, em Dezembro de 1999.

Abaixo, vamos colocar algumas das pérolas do cancioneiro popular (como diziam os antigos), no que diz respeito à publicidade engenhosa para criar um bom ambiente.

Propaganda dos cigarros Free, fonte: Guia de Programação da NET (TV por assinatura), Dezembro-98.

Propaganda dos cigarros Carlton, fonte: Guia de Programação da NET (TV por assinatura), Dezembro-98.

Aliás, o tabagismo é um prazer raro mesmo, pois, vocês conhecem algum outro, que mate 1 adepto em cada dois? Nem pilotar carros de Fórmula 1, voar de asa-delta e parapente, escalar himalaias, entrar com a camisa do Vasco na torcida do flamengo ou protestar contra ditadores ou imperadores têm este risco. É, ou não, um prazer raro?????

Propaganda dos cigarros Marlboro, fonte: Revista Isto É (n. 1573, 17/03/1999). Curiosa esta mensagem nesta revista, pois, a capa dizia em letras garrafais: Coração, não deixe que ele pare!! Constando dicas sobre como preservar o coração, inclusive não fumando. Aliás, um fato curioso ocorreu comigo num domingo (28/11/99): ao comprar um jornal na banca, recebi-o dentro de um saquinho plástico. Um dos lados do saquinho tinha a logomarca Marlboro e o outro a logo da Isto É. Que bela parceria, não é mesmo?

Saquinho ISTO É-MARLBORO, nov/1999

Um pedaço do saquinho de jornal que escaneamos para vocês. Que sacanas!!!

A parceria Revista IstoÉ - Marlboro rende, hoje, marketing e aumento das vendas. Dentro de uns dez a quinze anos, a Isto É estará fazendo matérias sobre o caos da saúde pública que é aguardada pela Organização Mundial da Saúde, devido às doenças causadas pelos cigarros. Alguém se lembrará, então, que a revista contribuiu para isto ???

ISTO É, 14/mai/2003 no. 1754

Bom, menos de 5 anos depois, cá está a ISTO É, alertando a população para o fato de que o número de casos de câncer está aumentando. Dentro da matéria da capa, sobre o crescimento da incidência dos tumores malignos, está escrito: "...O cigarro é o principal vilão: 30% das vítimas tiveram o tabagismo como principal causador da doença...".

Propaganda dos cigarros Hollywood, fontes: Revista Época (n.49, 26/04/1999 e Revista Domingo, do Jornal do Brasil (No. 1201, 9/05/99).

Propaganda dos cigarros Free, fonte: Revista Veja Rio (Ano 32 , No.11, 15/03/99).

Propaganda dos cigarros Free, fonte: Guia de Programação da NET (TV por assinatura), Novembro-99.

Existe a maior ralação para tentar-se proibir anúncios de cigarros na TV, sobretudo, em horários em que jovens possam assistí-los. No Guia de programação da Net, entretanto, aonde os jovens estão absolutamente liberados para buscar os horários de seus programas favoritos, reiteradamente, a indústria de cigarros ocupa várias de suas páginas anunciando o "coisa ruim". O mínimo que se poderia esperar de uma revista que, supostamente, invade milhares de casas com o singelo objetivo de informar horários de programas, tivesse a desfaçatez de não exercer influência maléfica aos seus assinantes.

Propaganda dos cigarros Marlboro, fonte: Revista Época, ano II, no.83, 20/12/99.

Não é lindo ?!? "Feliz Natal do Mundo de Marlboro" !!!

Parece deboche, repetiram a dose no Natal de 2000...

(Revista Época, ano III, no. 132, 27/11/2000)

A propaganda dos cigarros West, na Alemanha, que também é chegada numa mensagem natalina, criou uma mamãe Noela para vender cigarros e iludir os incautos

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Em novembro de 2004, finalmente chegaram ao Brasil os cigarros WEST. Como é que eles iam disperdiçar um mercado com 38 milhões de fumantes como o brasileiro. Afinal, eles não patrocinam uma equipe de ponta, como a Mac Laren, à toa. Enganam milhões de pessoas para se darem bem depois, já que ninguém é de ferro ou dá nó sem ponta...

Propaganda dos cigarros Marlboro, fonte: Revista Caras, ano 7, no.1, 07/01/2000.

Propaganda dos cigarros Marlboro.

Propaganda dos cigarros Malboro, fonte: Revista Veja (ed. 1638, ano 33, no. 9, 1/03/2000).

Esta propaganda é duplamente perversa, pois, de um lado ela escrachadamente incita os jovens a ignorar os alertas de que o cigarro deve parar de ser consumido. Enquanto o pessoal da saúde avisa, quase aos berros, que deve-se parar de fumar, ou de preferência nem começar-se, a indústria contra-ataca livre leve e solta. Por outro lado, a Revista Veja exatamente anterior a esta (no. 8), trouxera uma matéria sobre a relação cigarro-adolescência (de Cristina Peres), cujo título era: A VÍTIMA TEM 13 ANOS, ESTA É A IDADE EM QUE OS JOVENS BRASILEIROS COMEÇAM A FUMAR. (interessante o fato de que, neste número da revista Veja, surpreendentemente, as companhias de cigarros não colocaram anúncios, voltando a fazê-lo normal e pesadamente no número seguinte).

Se aparecer um sinal vermelho, não pare ??????? Cuidem-se, queridos adolescentes, fiquem com todos os olhos, corações e cérebros em alerta, porque vocês estão nas mãos de chacais !!! Sinal vermelho, até prova em contrário, é uma convenção para que se PARE (e, pense...).

Propaganda dos cigarros Marlboro, fonte: Revista Terra ( Março 2000, ano 9, no. 3).

Propaganda dos cigarros Marlboro, fonte: Revista Época ( ano 2, no. 94, 6/03/2000).

Propaganda dos cigarros Marlboro, fonte: Revista IstoÉ ( no. 1595, 24/05/2000).

Propaganda dos cigarros Marlboro, fonte: Revista Época ( ano III, no. 110, 26/06/2000).

Enquanto uns invejosos ficam dizendo que os cigarros estão levando as pessoas para uma terra, num cemitério São Pedro, os publicitários rebatem com a idéia de que, ao contrário, os cigarros Marlboro seriam diferentes, levariam os fumantes para algo próximo a um paraíso.

Além disto, todos sabemos que um dos motivos que faz com que os fumantes ganhem alguns quilinhos a mais quando param de fumar é porque as comidas passam a ter mais gosto, mais sabor. Logo, fumar tira o poder de sentir o sabor das coisas e, não o contrário. Vocês já beijaram fumante?

Por favor, please, s'il vous plait, prego, fiquem espertos, queridos...

Propaganda dos cigarros Marlboro, fonte: Revista IstoÉ ( no. 1604, 26/06/2000).

Bom, estamos combinados assim: uma pessoa entra em contato e torna-se dependente de uma das substâncias mais poderosas para fazer alguém virar escravo (drogadicto) para o resto da vida, porém, quando lemos que o "Marlboro é o lugar onde o homem é dono do seu próprio destino" dá vontade de mudar-se para Marte, ainda mais depois de terem descoberto que tem água lá e, portanto, vida.

Brincadeira, "...dono do seu próprio destino ?!?". Só 3 % dos fumantes consegue largar a tia Nicotina sem ajuda médica especializada.

As fotos que aparecem nos anúncios exibem morenas lindas, portando um cigarrinho na mão. Este cigarro é o mais caro do mercado brasileiro, consumido principalmente pelas mulheres.

Por favor, agora me dirijo à vocês, meninas, se vocês me permitem a intimidade. Milhões de reais são gastos em publicidades como esta, querendo influenciar vocês, meninas, especificamente. Não comprem esta enrolação.

Charme ????  Charm ????

É claro que vocês mulheres estão sendo pressionadas para serem charmosas, elegantes, magras, bundudas e peitudas. Entretanto, resistam e descubram-se. Sejam o que vocês gostariam mesmo de ser.

Se vocês conseguirem um gato por que fumam Charm, se for este o motivo, podem ter certeza de que vocês estão comprando uma "mala" do tamanho de um container. Alguém escolher uma mulher, mesmo que para "ficar", por causa do seu cigarro, é o maior mané da paróquia... No entanto, fiquem de olho vivo: por que esta dinheirama toda que é gasta para dizer que 'o importante é ter Charm'?? Esta turma nunca dá nó sem ponta !!

Propaganda dos cigarros Free, fonte: Revista da Net ( no. 77, Julho / 2000).

Para uma campanha de cigarros, o uso da razão é perigosíssima. Pensar é uma arma contra a qual eles têm pouco controle. Um animal emocional age por instinto, fuma por impulso, mesmo sabendo dos riscos.

Propaganda dos cigarros Free, fonte: Revista da Net ( no. 78, Agosto / 2000).

Poderíamos traduzir esta frase lapidar, no seguinte: Não adianta me dizer que o cigarro faz mal, comigo a banda toca diferente, eu decido que vou fumar, eu vou parar quando eu quiser e em mim as doenças não vão pegar porque eu não quero que me peguem...

Propaganda dos cigarros Free, fonte: Revista Veja ( ed. 1.659, ano 33, no. 30, 26/07/2000).

Mais uma vez, os publicitários do Free jogam no emocional. Razão, é totalmente out !! Pensar para que ? Por exemplo, a adolescência dura, aproximadamente, 72 meses. Se em apenas 1, destes 72 meses, vocês resolverem ser impulsivos, curiosos, improvisadores e pouco se lixarem para os alertas contra os cigarros, a desgraça já poderá ter acontecido. A imensa maioria dos fumantes começa a tabacar na adolescência. A indústria do tabaco e, seu braço armado, a indústria da publicidade, têm 72 meses para que vocês vacilem um mesinho só. A nicotina vai cuidar do resto, fazendo vocês continuarem fumando, muitas vezes até à morte. Agir por instinto, sem um pinguinho de discernimento, de saber o que está fazendo mesmo, é tudo o que os homens sem alma querem de vocês.

Propaganda dos cigarros Free, fonte: Revista Veja ( ed. 1.663, ano 33, no. 34, 23/08/2000).

Outro anúncio do Free, o rei das frases feitas e de efeito. Reparem nos últimos 4 anúncios e as profissões dos gajos: agitadora cultural, multimídia, coreógrafa e diretora de arte. Como eles acham estas pessoas ? Só conheço médicos, professores, sambistas, pedreiros, jornaleiros, jornalistas e, coisas assim, de pouco valor e que o que dizem ninguém quer ouvir. Responda rápido: v. conhece alguma agitadora cultural ? Por outro lado, responda + rápido ainda: você sabe o que vem a ser uma agitadora cultural ??

Propaganda dos cigarros Free, fonte: Revista Veja ( ed. 1.665, ano 33, no. 36, 06/09/2000).

E segue a galera do Free, agora com um artista plástico. Pelo menos, artista plástico, temos uma idéia do que seja. E que é chique é, convenhamos. Ele diz que não quer passar pela vida sem um arranhão... Pois bem, escolheu o esporte certo. Fumar vai garantir-lhe diversos arranhões, cicatrizes de retirada de pulmão, de corte para realização de cateterismo cardíaco, para colocação de pontes de safena, que irão substituir coronárias entupidas, etc., etc.

Entretanto, podem crer, estas palavras estão sendo dirigidas (e pagas a preço de ouro, no principal espaço publicitário da revista) à vocês, como a dizerem: não devo me proteger, pois, quem se protege é um renomado babaca... Tudo isto com a justificativa de deixarmos uma marca, marca esta que, aos olhos de um alienígena recém-chegado de um planeta mais evoluído que o nosso, poderia significar a da imbecilidade total.

Propaganda dos cigarros Free, fonte: Revista Veja ( ed. 1.665, ano 33, no. 26, 28/07/2000).

Querido Márcio, quando v. tiver a minha idade, infelizmente, se os seus amigos são fumantes, v. vai começar a perdê-los. Isto já está acontecendo comigo, que sou pouco mais velho do que você...

Enquanto isto, The New York Times, desde 1999, NÃO PUBLICA ANÚNCIOS DE CIGARROS EM SUAS PÁGINAS, para não prejudicar os seus leitores (sem ter precisado de lei para isso):

The New York Times Bans Cigarette Ads

April 28, 1999, Wednesday

The New York Times, joining small group of newspapers, will ban cigarette advertising; cites concerns about harmful effects of smoking; cigarette ads provide less than 1 percent of paper's ad revenues

A Revista Trip entrevistou, em 1999, alguns artistas que fizeram trabalhos para a publicidade dos cigarros Free. Confiram as justificativas de dois deles:

Como vocês puderam perceber, talvez esteja aí, nestes dois depoimentos, a essência do problema de ainda existirem anúncios de cigarros e quem os criem ou veiculem, uma mistura poderosa:

a ignorância associada à necessidade.

O problema do tabagismo é tão sério, que sempre fiquei pensando porque a imprensa não agia mais pesado e, inclusive, ganhava dinheiro com anúncios que aumentavam a epidemia das doenças provocadas pelo tabaco.

Aí, no primeiro dia de 2002, deparei-me com a coluna do Mangabeira Unger, na Folha, dedicando aos jornalistas brasileiros uma reflexão, da qual reproduzo um parágrafo:

Coluna de Roberto Mangabeira Unger, Folha de São Paulo, 1 / jan / 2002.

" Nossa imprensa continua constrangida por três forças:

Portanto, além da falta de money e ignorância, agora podemos acrescentar uma certa babação dos ovos da turma poderosa, para explicar como, uma coisa que mata 5 milhões de pessoas por ano, podia ser anunciada nos mais respeitados jornais, revistas e demais meios de comunicação de massa, sem nenhum constrangimento.

O fabricantes de fumo não sacaneiam apenas os terceiro-mundistas, não... O que eles fazem conosco, também fazem lá , nas suas terrinhas natais.

O terror que explodiu as torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York, matou 2.939 pessoas no terrível 11 de setembro de 2001. Nos Estados Unidos, o fumo está matando o mesmo número de pessoas que morreram no atentado terrorista, só que a cada dois dias e há décadas. O curioso é que, enquanto o presidente americano atual, George W. Bush, convoca uma guerra sem tréguas ao terrorismo, como resposta ao ataque, assim que foi eleito presidente trouxe como um de seus assessores de maior confiança, o principal lobista da indústria do tabaco.

Folha de São Paulo, 13/jan/2001

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Bush, tão zeloso em sua cruzada maluca contra o terrorismo, trouxe para cuidar do departamento de saúde do país, segundo o movimento antitabagismo americano, tão logo eleito presidente,  um ex-governador americano que teria uma estreita relação com a indústria do tabaco. Enquanto fez os militares americanos irem parar no Iraque atrás de supostas armas químicas de destruição em massa, que aliás nunca foram encontradas, acoberta a indústria que mais as produz mortes no mundo: a indústria do tabaco americana.

Temendo uma inação por parte de Bush, no processo que o ministério da justiça americano move contra a indústria do tabaco nos Estados Unidos, um grupo antitabagismo de lá criou uma página entitulada: "Take Action: Tell President Bush Don't Pardon Big Tobacco" (Tome uma Atitude: Diga ao Presidente Bush para ele não perdoar a indústria do tabaco). "A cada dia na América, mais 2.000 crianças  tornam-se adictas ao tabaco - um terço das quais morrerá prematuramente."

SuperTV do Jornal do Brasil (ago.1998), Revista Manchete (jun.1999), Revista República (jul.1999) e Folha de São Paulo (jun. 2002)

A publicidade subliminar do tabaco ou aquela que utiliza as imagens de poderosos formadores de opinião, são recursos perigosos para a saúde pública. Quem acreditará que exista risco na prática do tabagismo,  se, por exemplo, uma pessoa tão inteligente, e queridíssima, como o Jô Soares, não nos priva de associar a sua imagem ao uso do tabaco? Nestas quatro imagens acima, o tabaco é validado pelo Jô em todas elas. Não pensem vocês que estas fotos são feitas de qualquer maneira. Há toda uma produção em cima, com lentes especiais, diversas poses e cliques para a escolha da melhor composição. Porquê, raios partam, cansei de ficar me perguntando? Porquê o Jô não evitou esta exposição? Porquê um cara que parece ser tão bacana quanto ele, que aparece todas as noites nos nossos lares com o seu talk show desde 1988,  o que, no mínimo, demonstra como ele é respeitado por nós, não percebeu que pode ter influência sobre milhões de brasileiros, no que tange ao exemplo em usar tabaco? Sempre me bate que nós, os profissionais de saúde, é que estamos errando, não monstrando suficientemente para a população em geral, e para o Jô Soares em particular, o imenso equívoco que é fumar.

Uma outra publicidade que utilizou o prestígio de figuras públicas brasileiras, é o programa de rádio LIBERDADE DE EXPRESSÃO, transmitido diariamente, em dois horários, pela Rádio CBN. É um papo sobre amenidades da atualidade, com a participação permanente de um imortal da academia brasileira de letras, o escritor e jornalista Carlos Heitor Cony e do jornalista e cronista Artur Xexéo. Eles dissecam as amenidades, durante cinco minutos, e eram precedidos pela mensagem do patrocinador que nos informava que "a Souza Cruz (maior indústria de tabaco do país) estava há 100 anos crescendo junto com o Brasil". A mesma mensagem nos era repetida ao final das amenidades. Liberdade de expressão estava muito parecido com o projeto Convivência em Harmonia, que quer porque quer que o fumo seja liberado nos restaurantes, bares e congêneres. Na verdade, longe de ser uma panfletagem em nome da liberdade, em seu sentido mais amplo e sonhado, tratava-se de LIBERDADE PARA CONTINUAR FAZENDO ANÚNCIOS SOBRE TABACO (mesmo havendo uma lei federal que proíba tal prática). Entretanto, quem iria dizer que Cony e Xexéo estariam participando de uma maracutaia inominável. Prestígio (merecido) é prestígio... De acordo com os milhares de estudos sérios que têm sido divulgados pelas universidades de todo o mundo, o melhor slogan desse patrocínio asqueroso deveria ter sido: "Um oferecimento Souza Cruz. Há 100 anos crescendo junto com a mortalidade por câncer no Brasil". E a coisa era feita de tal forma, que quem fosse contra 'O' Liberdade de Expressão, por ser uma forma de uma indústria de cigarros burlar a legislação que proíbe a publicidade de cigarros, iria acabar passando por um renomado intolerante, um babaca que é contra 'A' Liberdade de Expressão... A exemplo da vida real, parecendo brincadeira de mau gosto, em fevereiro de 2004, o patrocínio do programa deixou de ser a companhia de cigarros para ser uma empresa de seguro de saúde. Primeiro o fumo esculhamba com a sua vida, depois entram em cena os cuidados com a saúde.

Isqueiros com as imagens da cantora Kelly 'Baba' Key à vontade...

 

Influência perversa sobre os meninos, associando os peitões com os cigarros.

Estas coisas todas são importantes para que vocês possam gastar um tempo avaliando a decisão de não fumar ou fumar. Se vocês ficarem totalmente abertos para as mensagens publicitárias, sem uma crítica ao que estão te enfiando pela goela, dado à qualidade das pessoas que as criam, daí serem profissionais tão bem pagos, e dado ao fascínio exercido pelos que são utilizados como garoto(a)s-propaganda, a chance de seu desejo pelo matador de gente ser estimulado é imensa. Vejam a perfeição do embuste:

 

APROVEITE EM EXCESSO ou CRIE EM EXCESSO, MAS FUME COM MODERAÇÃO!?! Que mentira, que lorota boa!! Não é possível fumar com moderação, fuma-se o que o cérebro determina que se fume. Podem ser 3 cigarros por dia ou 60. Isto não depende da nossa vontade racional. Podem crer amigos, quando a mensagem diz 'Fume com moderação' quer, na verdade dizer: 'Viu como nos preocupamos com vocês?', 'Viu como somos uma empresa socialmente responsável e orientamos bem a nossa clientela?', 'Viram, seus panacas que querem nos levar para os tribunais, que vocês não vão poder nos levar para os tribunais porque nós avisamos para eles dos riscos e se eles arrumaram um câncer no pênis ou uma siquizira nas coronárias o problema é deles, bebé?

E aí, eu acabei entrando na da mensagem publicitária que v. não percebe que está entrando. Caí tão direitinho, que achei-me na obrigação de relatar o acontecido, algo muito simples, porém, exemplar:

"Numa bucólica manhã de terça-feira, fui à padaria do supermercadodoladodecasa, para adquirir o pãozinho fresco do dia. Como sou bem mandado, levei a listinha de compras que retirei de sob o imã da geladeira, onde estava a indicação de uma caixa de forra-fogão, aquele papel de alumínio que protege o fogão da gordurama que esparrama. Fiz as compras necessárias, voltando para casa para mais um dia de labuta que se iniciava. Tudo como sempre fazia. Entretanto, naquela manhã, fiz algo que não fazia há mais ou menos uns 4 anos: resolvi comer dois ovos fritos no café da manhã... Bateu o desejo, fritei os ovos, regalei-me e fui me trocar para o trabalho. Minha mulher ao ver a frigideira suja de ovo, questionou-me sobre aquele evento matinal, quase inusitado. Foi só aí que me dei conta de um pequeno detalhe, a caixa do forra-fogão... Bom, foi isso que quiz colocar para vocês, eu macaco velho, cansado de guerra, dancei bonito, fritei dois ovos, certamente, pelo que estava estampado na caixa do forra-fogão. Juro a vocês que mal olhei para a caixa ao adquirí-la, porém, a mensagem subliminar foi suficiente para me fazer mudar hábitos arraigados há anos".

caixa de forra-fogão Masterpack

Bom, já que estou contando para vocês algo curioso e real, deixem-me complementar com outra situação que também vivenciei, só que há muitos anos, quem sabe, quando alguns de vocês estavam nascendo, ou ainda não eram nem projeto. Era uma vez, em 1987...

"Era uma vez, um monte de sábios brasileiros, deslocados para uma bucólica região serrana do estado do Rio de Janeiro, entre as cidades de Nova Friburgo e Petrópolis. Eles tinham uma missão para lá de importante: apresentarem, discutirem, analisarem e deliberarem sobre centenas de questões que poderiam passar a fazer parte da vida de dezenas de milhões de brasileiros, a partir do ano seguinte. Era a reunião final da chamada Comissão Arinos, que havia sido encarregada, pela Presidência da República, de elaborar um ante-projeto da Constituição Brasileira, que seria debatido e implementado pela Assembléia Nacional Constituinte no ano seguinte, em 1988.

Como mencionei a vocês que este encontro seria entre sábios, vocês devem imaginar que dentre estes, muitos eram indivíduos com idade bastante avançada, com a saúde muitas vezes precária. Daí a necessidade de haver médicos presentes, para eventuais atendimentos de emergência. Ao hospital (Raphael de Paula Souza) em que trabalho, coube o envio destes médicos. Eu e mais três colegas fomos designados para acompanhar as atividades, em plantões de 24 horas, para o caso de alguma eventualidade com a saúde daquelas sumidades. Revezávamo-nos diariamente.

Vale remarcar que, nós médicos, tínhamos o direito de acompanhar, como ouvintes, as acaloradas e riquíssimas discussões, do ponto de vista intelectual, que tinham lugar no anfiteatro principal do local. Não tínhamos voto e nem devíamos nos manifestar, porém, a tudo nos era permitido assistir.

Contrariando o nosso ditado popular que diz que 'Deus não dá asas à cobra', coube à mim estar presente à primeira apresentação da idéia de que, na opinião dos sábios, deveria constar do texto da Constituição Brasileira que a propaganda de FUMO, BEBIDA ALCOÓLICAS e REMÉDIOS deveria ser totalmente proibida nos meios de comunicação de massa. Pois bem, lá estava eu, novamente de plantão na semana seguinte, quando os sábios aprovaram a decisão. Por tratarem-se de práticas que envolviam riscos de dependência física e psíquica, a nicotina (do fumo) e o álcool (das bebidas) não deveriam ser propagandeadas (inclusive, porque não pode-se saber antecipadamente quem, dos que assistem aos comerciais tem o gen da escravidão à droga, da dependência) e, por haver riscos de auto-medicação ou subestimação de sintomas, os remédios também não deveriam ser passíveis de publicidade de massa.

Já sabedor do poder 'viciante' das propagandas de cigarros, e militante contra o tabagismo, lembro-me de haver agradecido a Deus por estar presente àquele evento, sobretudo, àquela decisão inteligente e magnânima, tomada pela inteligência do meu país. Quão orgulhoso me senti, vocês jamais farão idéia. Portanto, no próximo ano, em 1988, não teríamos mais anúncios de cigarros, bebidas alcoólicas e medicamentos, nas TVs, outdoors, rádios, jornais, revistas, etc.

Aguardei alguns meses para ver concretizado o pensamento dos sábios da Comissão Arinos. Vocês igualmente jamais saberão o tamanho da minha mais imensa decepção, quando acompanhando o resultado final dos trabalhos da Assembléia Constituinte, via cair por terra a idéia daqueles banimentos publicitários. Emendas foram colocadas por alguns parlamentares, concordando com a necessidade do banimento, entretanto, apondo a versão de que melhor seria colocar a idéia com uma lei complementar, não inserida na nossa Carta Magna, na redação da Constituição. 'Os poderosos lobbies haviam triunfado', pensei.

Portanto, a Assembléia Nacional Constituinte de 1988 não acatara a sugestão da Comissão Arinos, de banimento da publicidade do fumo, das bebidas alcoólicas e dos remédios. A tal da lei complementar só veio a ser votada e aprovada em 2.000. Assim mesmo, apenas para o fumo. Perdemos 13 anos! Centenas de milhares de crianças brasileiras foram influenciadas por estas propagandas, aguardando o raio da lei complementar. Dezenas de milhares destas crianças vão morrer por causa do injusto, cruel e interesseiro desejo de algumas corporações.

As bebidas e os medicamentos continuam sendo propagandeados livremente. Dezenas de modelos femininos surgiram, da noite para o dia, no boom da publicidade das cervejas em nosso país, gerando um fantástico, porém, abominável (pelas suas consequências) campo de trabalho para elas. De 1979 a 1999, no Brasil, a indústria da cerveja passou do 41o. lugar, no ranking das empresas brasileiras, segundo o jornal O Globo, para o 4o. lugar. Os dirigentes dessas empresas devem estar tão assustados com o alcoolismo brasileiro que vêm lançando campanhas "educativas" pedindo às pessoas para beberem com moderação...A tal da responsabilidade social, no caso, um engodo a mais, uma esperteza a mais... Enquanto uma marca pede responsabilidade ao beber e dirigir automóveis, a outra diz: EXPERIMENTA!!! E, ainda teremos que ouvir que irão estimular a auto-regulamentação responsável e o terror: haverá perda de empregos e de arrecadação de impostos.

 

Por outro lado, figuras públicas têm colocado muito dinheirinho nos bolsos fazendo propagandas para a indústria farmacêutica, de forma absolutamente inaceitável. Um triste exemplo nos mostra o rei do futebol, o famoso Pelé, que há décadas vem recomendando uma determinada marca de vitaminas. Será que ele realmente tem algum conhecimento sobre as necessidades do organismo em vitaminas? Isto, sem falar na sua mais recente especialização, a brochante disfunção erétil.

Em 1987, a Comissão Arinos, parte da inteligência e do discernimento nacionais, achou que este absurdo_ a publicidade de fumo, bebida e remédio_ não deveria mais ser permitido em nossa mídia.

Dezoito anos depois da Comissão Arinos, em  23 de novembro de 2005, leio em O Globo, o jornal que assino, a seguinte notícia tranquilizadora: CERCO A BEBIDAS ALCOÓLICAS E REMÉDIOS_Governo propõe regras mais rígidas à propaganda e à divulgação na imprensa.

Caríssimos adolescentes amigos, vocês estão vendo como toca a banda? Estão todos preocupadérrimos com a questão. É reconfortante, dezoito anos depois,  sabermos que algo VAI SER PROPOSTO!?!?! Certamente uma comissão será criada para analisar o problema, o Conar (Conselho Nacional de Auto Regulamentação Publicitária) vai dizer que vai fazer isto ou aquilo, assim ou assado, cozido ou frito; aparecerão os que dirão que tal medida gerará perda de receita e desemprego; os que afirmarão que tal iniciativa será um atentado à liberdade de expressão , fruto de mentes facistóides e saudosistas de Hitler; os que garantirão que, no Brasil, já existem restrições suficientes, etc. Todos os que lutaram durante décadas pelo banimento da publicidade do fumo estão cansados de conhecer a lenga-lenga... E, mesmo assim, por um erro de avaliação, pela subestimação da capacidade dos caras (coisa que não faço de jeito nenhum), permitindo-se que a publicidade fosse possível nos pontos de venda de cigarros, o que vemos: quintuplicaram os pontos de venda e quintuplicaram os displays destes pontos de venda de cigarro. Não tem bobo, meus caros, o mais mané dá nó em pingo d'água.

Vocês, que estão agora na faixa que vai dos 12 aos 18 anos, podem ter certeza: há uma geração de alcoólatras sendo formada neste final de século XX e início de século XXI, aqui em nossas paragens e nas nossas barbas. Lembrem-se que o álcool da bebida, apesar de ser lícito (sua venda é para maiores de 18 anos, nunca se esqueçam _ e é o que vocês vêem?), é uma droga como outra qualquer.

fotos publicadas em O Dia, 17/set/2003, em matéria de Flávia Motta e Zean Bravo sobre legislação sobre publicidade de cerveja

Todas estas gatas convidam os otários a tornarem-se cervejófilos_ e como tem otário que é atraído para o alcoolismo por estas peças promocionais. A imagem erotizada das mulheres tem sido a principal marca publicitária das cervejas brasileiras no início do século XXI. Campo de trabalho imenso para modelos tornarem-se famosas ou ampliarem os seus domínios já conquistados, tais como Cássia Ávila, Ana Luíza Castro, Ellen Roche, Maryeva e Pietra Ferrari.

fotos publicadas no jornal O Globo, 13/set/2003, em matéria de Ronaldo D'Ercole e Erica Ribeiro, sobre o Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária

Déborah Secco e as Sheilas tão dentro, atriz e dançarinas também são filhas de Deus.

Revista Playboy, outubro 2004

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Primeiro, a modelo anunciava uma cerveja que desceria redondo. Depois, ela tornou-se capa de revista masculina, onde havia a orientação para que fosse apreciada sem moderação, numa alusão à mentirada do "beba com moderação".

  link

JULIANA PAES_ Atriz e símbolo sexual _ tacada 'certa'(?) da indústria da cerveja

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IVETE SANGALO _ musa da música baiana e popular brasileira

Queridos brothers adolescentes, o Conar (Conselho Nacional de AutoRegulamentação Publicitária) está tomando conta de tudo. Está tudo devidamente regulado. O Conar está de olho no lance. Até 'Beba com moderação' ele mandou colocar após os anúncios, vixe!?! Isto, porque o Conar sabe que se um de vocês, adolescentes, for portador de um determinado gen, pode ser atraído pela propaganda e, uma vez entrando em contato com o inocente álcool da cervejinhazinhainha, pode dele jamais conseguir separar-se. Agora, com o alerta para que você beba com moderação, o problema está magicamente equacionado. Toca outra vez Ivete...

 

E, que os sábios da Comissão Arinos se explodam...



Numa tarde de domingo (18/09/05), eu estava reunido com alguns meninos, assistindo Vasco x São Paulo, pelo campeonato brasileiro de futebol, via Rede Globo de Televisão. A média de idade deles era de 11 anos. Pois que bem, durante a transmissão do primeiro tempo, anúncios da cerveja Skol. Em seguida, no intervalo entre o primeiro e o segundo tempos, propaganda da cerveja Antártica: uma moça de lábio da cor de mel passa a língua sensualmente sobre ele (o lábio), para tirar a espuma que lá insistia em permanecer...

foto de Daniel Ramalho, Jornal do Brasil, 27/nov/05

Entretanto, quando a gente pensa que já viu de tudo, não é que as surpresas não acabam. Pois bem, de repente, não mais do que de repente, uma das mais tradicionais figuras esportivas brasileiras, o maior ídolo da história do time de maior torcida do país, resolve conclamar a sua massa torcedora, numa ação totalmente desprovida de escrúpulos, a ajudarem a sua agremiação comprando cerveja, o que para muitos será o primeiro passo rumo á dependência alcoólica e à ruína pessoal. Que falta de caráter tiveram Zico e a diretoria do Flamengo bolando e estrelando tamanha barbaridade. Pelo menos isto, mesmo antes do banimento quase total da propaganda de cigarros da mídia, o movimento anti-tabagismo havia conseguido: o fumo não podia utilizar esportes olímpicos para publicidade e havia horário abaixo do qual era proibido anúncio.

Quem quiser ter o desprazer de assistir à peça publicitária do Zico e da diretoria do Flamengo para a Cerveja NovaSchin: clicar aqui. E o Conar está tomando conta de tudo, fiquem tranquilinhos. Vem mais por aí...

O Globo, 15/ago/06

E como diziam os antigos, ninguém dá nó sem ponta, complementando o acordo espúrio, toda a notícia sobre o Flamengo em parte da imprensa escrita vem associada à campanha da cervejada. Nenhum outro clube de futebol tem a sua marca associada á bebida alcoólica no país, muito menos tendo a imprensa como parceira.

Quando o Brasil estiver no topo do ranking dos cirróticos e dos alcoólatras, quem vai se lembrar de como chegamos lá? Num país de analfabetismo funcional galopante, chega a ser demoníaca esta maneira de ganhar dinheiro. E, a turma mais jovem fica totalmente exposta aos jogos do poder grandes das corporações.

foto Marcos Ramos, Jornal O Globo, 1/mar/06

CharutoCerveja NovaSchin

Romário (segundo maior artilheiro do futebol mundial _ atrás apenas do Pelé)

Carnaval 2006 _ Rio de Janeiro

Camarote da Cerveja Nova Schin no Sambódromo

A indústria da Cerveja e do Tabaco não podiam querer nada melhor...


 

Quando Michael Jordan, maior jogador da história do basquete americano, apareceu em situação parecida, fumando charuto após vencer um campeonato de basquete, pelo Chicago Bulls, no dia seguinte recebeu reprimendas públicas de inúmeras associações médicas de lá, do porte da American Cancer Society, American Heart Association, etc., pelo fato de ser uma figura pública e ter o dever de contribuir com a educação da juventude que o admirava. Até mesmo quando ele foi num torneio de golfe, e puxou um charutão, caíram-lhe de pau em cima.


Para quem trabalha com a saúde pública nos países em desenvolvimento, não bastassem os problemas específicos do setor, temos que enfrentar mistura bem dosada de cinismo, corrupção, falta de discernimento, incompetência, negligência, mas, o que é o pior, muitas vezes nos deparamos com egoísmo extremado e o mau caratismo em sua forma mais bruta.


Álcool na Argentina

   link

Propaganda da patrocinadora da Seleção argentina de futebol


Álcool no Brasil

     

Ídolos mundiais do esporte sem vergonha de influenciar os jovens

(O Alcoolismo _ 2a. causa de mortes evitáveis no planeta _ pode começar na infância)

Afinal, o que se pretende com estas frases:

1. "Beba com moderação" - que aquele que não bebe comece a beber? É bom lembrar que os ídolos esportivos influenciam, sobretudo, as crianças e os adolescentes.

2. "Se beber, não dirija" - que aquele que não vá dirigir, beba?É bom lembrar que os ídolos esportivos influenciam, sobretudo, as crianças e os adolescentes.

 

Abram os olhos, indústria sabe vender seus produtos


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