Joe Eszterhas
Da glamourização do fumo ao nascimento de mais um ativista antitabaco
O Centro de Apoio ao Tabagista, coordenado pelo médico ativista Alexandre Milagres, divulga trecho do fantástico documentário de Nadia Collot, 'Tabac, La Conspiration', no qual o escritor e roteirista Joe Eszterhas fala sobre o seu papel de glamourizador do tabagismo e culpa-se por isto, relacionando a entrada de milhões de pessoas na senda das doenças relacionadas ao tabaco com os filmes e livros em que teve participação.
Joe Eszterhas
Joe Eszterhas, húngaro de nascimento, sofreu de uma das doenças que mais relação com o fumo tem: câncer de garganta. Ele perdeu partes da língua e da mandíbula, respira pela traqueostomia e fala com dificuldade.
Antes disto, em 1992, fora lançado Basic Instinct (Instinto Selvagem - Brasil e Instinto Fatal - Portugal), que Joe Eszterhas escrevera e roteirizara, que teve Sharon Stone e Michael Douglas como protagonistas. É uma das películas que mais estimula o fumo de que se tem notícia, e é sobre ela que Eszterhas se refere em sua fala no documentário.
Basic Instinct -1992
O impacto causado pela cena do depoimento da personagem Catherine Tramell (Sharon stone) à polícia foi imenso. Tanto que, mais de 15 anos depois, num concurso para que cinéfilos apontassem a cena de pernas mais sensual da história do cinema, deu a do Basic de lavada.
Em 2002, Eszterhas escreveu editorial no New York Times, não só sobre as suas dificuldades físicas, mas também sobre o papel que ele e Hollywood exerceram sobre as pessoas, incensando os cigarros. " O fumo era parte integral de muitos de meus roteiros, porque eu era um fumante militante. Fumar, eu acreditava, era direito de cada um... Eu não acho mais isso. Acho que o fumo deveria ter sido tão proibido quanto a heroína. Tenho sido cúmplice do assassinato de um grande número de seres humanos. Eu estou admitindo isso, somente porque eu fiz um acordo com Deus: salve-me, eu disse, e eu tentarei evitar que outros cometam os mesmos crimes que eu cometi".(http://www.cigarro.med.br/eszterhas_nytimes.htm)
Basic Instinct 2 - 2006
Joe Eszterhas não participou do Basic Instinct 2, mas as mesmas pernas da protagonista permanecem à mostra e o cigarro foi mantido na mão, a seduzirem os incautos...
É difícil, para os profissionais de saúde, controlar o tabagismo, reduzir o número estarrecedor de doentes e mortes relacionadas ao tabaco, quando membros de nossa própria espécie humana ainda não têm um mínimo de discernimento. Joe Eszterhas, infelizmente graças à dor, conseguiu mudar de time. E quanto aos milhares de outros que estão por aí, em Hollywood, em Bollywood, no Brasil, etc.?
Michael Douglas
A trilogia das maldades do fumo sobre as figuras principais do Instinto Selvagem se completa com a informação que surgiu, inicialmente na revista americana People, em matéria de 16 de agosto de 2010, na qual os médicos que assistem a Michael Douglas revelaram que o ator acabara de ter o diagnóstico de câncer de garganta estabelecido. Curiosamente, uma neoplasia maligna na mesma localização onde Joe Eszterhas, o roteirista de 'Basic' acima citado, foi mutilado. Portanto, o roteirista e o ator principal de 'Basic' são afetados pelo serial killer da mesma forma.
Zoroastro Sant'Anna
Depoimento do Zoroastro Sant'Anna (Rádio Pulmão Bom)
Em alguma noite de 2009, eu e o amigo Zorastro estávamos à uma mesa no restaurante Cantinho do Leblon. Como Zorô era, à época, diretor da TV Brasil, eu comentava alguma coisa sobre uma participação que eu iria ter em um dos programas daquela emissora na semana que entrava e sobre o tema que falaria, que seria o tabagismo.
Em meio à conversa, vi rolarem lágrimas de seus olhos, seguida de uma revelação surpreendente, posto que desconhecia todas as suas atividades profissionais prévias.
O via, então, como um homem de publicidade, de televisão, mas, sobretudo, um cineasta. Cineasta, aliás, super envolvido com a história do cangaço, do qual é um dos maiores conhecedores no Brasil. Zoroastro Sant'Anna fora, inclusive, autor de estudado e elogiado* documentário sobre Lampião, e encontrava-se (ainda se encontra) em fase de pré produção de um longa sobre o tema.
Voltando ao nosso papo no Leblon, Zorô, como o chamo, começa a me falar sobre a sua participação como chefe de redação publicitária da principal indústria do tabaco no Brasil, a Souza Cruz, filhota da matriz British American Tobacco (BAT). Conta-me que uma amizade surgira na II Grande Guerra, entre um inglês e um americano. Ao final dos combates, o primeiro dedica-se à administração em seu país natal, enquanto que o segundo passara a trabalhar com publicidade, na América do Norte. Um convite do inglês ao colega americano, acaba tendo o Brasil como palco e Zoroastro como um dos protagonistas. Bem, é melhor ouví-lo e partilhar com ele, por momentos, as suas angústias. Acabei por colocar este depoimento on line hoje, por ter feito o mesmo com a edição que fizemos do depoimento acima, do Joe Eszterhas, mesmo que a qualidade deste áudio não tenha ficado boa o bastante.
Em nosso e-book, "Fumar Pra Quê, Meninas e Meninos?", há novo cruzamento de personagens que se revelaram, portanto, informantes sobre os atos danosos da mesma indústria. Jeffrey Wigand, o autor do prefácio do e-book, era vice-presidente de pesquisas da British American Tobacco (BAT), a mesma que utilizara a capacidade criativa do Zorô na filial brasileira do grupo. O processo de desligamento de Wigand da empresa e a sua denúncia contra os procedimentos da indústria do fumo se transformaram no filme 'The Insider' ('O Informante') e deve ser visto por todos os que lutam por uma sociedade menos cínica.
Jeffrey Wigand
Trecho extraído do documentário Paixão por Cigarros
É urgente que os jovens desenvolvam uma percepção maior sobre o que há no entorno e na essência das mensagens que lhes são passadas. As revelações e as culpas do Joe, do Zorô e do Jeffrey, devem ser sentidas e internalizadas. A nossa espécie precisa aperfeiçoar-se. A informação, o conhecimento, o discernimento e o uso que poderemos dar a eles podem contribuir bastante neste sentido.
21/mar/2010
Alexandre Milagres
* Artigo do Prof. Dr. Antônio Sá, do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe.
www.cigarro.med.br
