31/05/2009 |
Alexandre Milagres é um ativista profissional
contra o tabaco, aliando a profissão médica com a
cultura carioca. Chefe do Serviço de Pneumologia e
coordenador do Programa de Controle do Tabagismo e
do Programa de Controle da Tuberculose do Hospital
Municipal Raphael de Paula Souza, localizado no
bairro de Jacarepaguá, Rio de Janeiro com
especialização em Pneumologia e Endoscopia
Respiratória realizada na Universidade de Medicina
de Estrasburgo, França, nos anos 1979 e 1980. Foi
Vice-presidente médico da Escola de Samba
Caprichosos de Pilares, do Rio de Janeiro, co-autor
do samba enredo de 2001: "Goiás, um sonho de amor no
coração do Brasil".
Esses predicados ajudaram Alexandre Milagres a
empreender um site informativo contra o tabaco,
eficiente e bem-humorado, com o foco, sobretudo, na
juventude. Esta é a entrevista do mês.
1 – Como foi criado o site
www.cigarro.med.br, e qual a resposta obtida,
sobretudo, dos jovens ao longo dos anos?
A origem do site remonta à compra de um computador,
em 1993. Acho que era um computador com processador
386, ainda com sistema DOS. O objetivo era poder
instalar um programa belga chamado RADAR, útil para
homeopatas, para estudo de casos, de sintomas e de
medicamentos. Naquela época, além da Pneumologia
velha de guerra, alçava voos como homeopata unicista.
O computador e o Radar eram revolucionários para
acelerar os estudos da antiga ciência de Samuel
Hanneman.
Uma vez adquirida a máquina, além dos recursos
disponíveis para o fim a que se propunha, ela
possibilitou-me escrever, nas poucas horas vagas que
tinha, um texto sobre fumo que já tinha na cabeça
após pesquisar em duas escolas cariocas, a Escola
Municipal Silveira Sampaio e o Colégio Andrews.
Voltando um pouco mais no tempo, eu havia sido
seduzido para a importância do tema tabagismo em
1976, ano em que cursava o oitavo período da
faculdade de medicina. Estava num congresso da
Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia e
lá me vi acompanhando um conferencista de nome Mário
Rigatto, titular da disciplina de Pneumologia da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Foi a
melhor conferência a que havia estado presente em
toda a curta vida de estudante e creio que depois
dela nunca tive uma experiência semelhante. Ali,
naquele momento, o mundo acabara de ganhar um
combatente contra o que, ficava claro pelas palavras
daquele super mestre, poderia tornar-se o maior
problema de saúde pública em escala planetária.
Ainda acadêmico de medicina, e desde então sem
jamais parar de estudar o assunto, comecei a
perceber a infinidade de perturbações celulares,
hormonais, teciduais e clínicas provocadas pelo
fumo. Inicialmente, estava mais focado nas
alterações que rondavam as vias aéreas inferiores,
porém, a cada novo artigo científico ou capítulo de
livro, algo ficava patente: o fumo afetava todo e
qualquer sistema orgânico humano. Outra percepção
cristalina foi a de que havia duas coisas a serem
feitas para tentar-se controlar a pandemia que se
avizinhava: tentar fazer os fumantes abandonarem a
nicotina e evitar a adesão de novos escravos. Sim,
porque a palavra drogadicção remonta à época da escravatura. Os
escravos, ao serem forçados a adquirir os parcos
bens de subsistência de seus próprios feitores,
agravavam a sua condição de escravos, tornando-se,
dizia-se, adictos aos donos do feudo. E o que fazer
para evitar a gestação de novos adictos?
Em meados da década de 80, entrara em contato com
uma sociedade esotérica de nome Teosófica. Pelos
ensinamentos que tive, inclusive pelo lema da
própria sociedade (“não existe religião superior à
verdade”), fui instigado a crer que o conhecimento é
a alma do evoluir de nossa espécie. Só o
ensinamento, a aprendizagem e, portanto, a
informação, são capazes de libertar-nos
efetivamente.
Daí, foi como juntar ‘lé’ com ‘cré’! Se o mais
profundo do meu ser havia intuído que para
contribuir para a amenização da pandemia tínhamos de
passar informação sobre as questões relativas ao
tabaco. Um texto poderia ajudar. E, que texto seria
este? Algo emanado de dúvidas legítimas da
população-alvo a ser atingida. Então, busquei
os coordenadores pedagógicos de escolas próximas da
minha realidade: a Silveira Sampaio que é uma escola
municipal próxima ao Hospital Municipal Raphael de
Paula Souza onde labuto há três décadas e o Colégio
Andrews, do outro lado da cidade, mas que ficava no bairro
de meu consultório. Os questionamentos dos alunos
daquelas instituições tornaram-se o esqueleto de meu
trabalho. Foi a partir deles que teci todo o texto
que acabou por receber o nome de “Fumar pra quê,
meninas e meninos?”.
Aí veio o que mudou a nossa vida, ampliando o nosso
ativismo e a nossa ação de advocacy. Como fazer com que
aqueles escritos pudessem alcançar a turma jovem
para quem eles eram destinados? O ano de 1995 foi
onde isto foi pensado. Mas foi no ano seguinte que
a oportunidade do novo surgiu. Fazia terapia de grupo
e um dos membros do grupo era pai de um webmaster-webdesigner... Colocamos, eu e Marcelo
Fantine, em 1996, o livro eletrônico no ar.
Inicialmente, 10 visitas por mês. Alguns meses
depois, 30 visitas. Quanto mais meses e os anos
foram se passando, mais visitas (pageviews) eram
feitas e mais informações eram agregadas ao
trabalho. Hoje, nos dias próximos às campanhas
nacionais e internacionais contra o fumo, o contador
chega a marcar mil visitas diárias.
O “Fumar pra quê, meninas e meninos?”, um sonho
nosso de final do século XX, que enfrentou muitas
reticências de amigos, e mesmo de familiares, posto
que a internet era um instrumento pouco utilizado e,
erroneamente, ao nosso ver, rotulado como de uso
exclusivo da elite da população. Hoje, segundo dados
recentes, mais de 50% dos acessos à rede mundial de
computadores por banda larga no Brasil partem de
classes das classificadas como C e D.
O “Fumar pra quê?” segue cumprindo, há, portanto,
mais de uma década, com o papel para o qual foi
imaginado. Informar, informar e informar! Não dá
para barrar a ação de marketing poderosa da
indústria do tabaco a não ser com informação. Ao
livro eletrônico acoplou-se uma infinidade de
acessórios e possibilidades da tecnologia mais
atual, como: links para sites, caixas de diálogos
com internautas, coligação com twitters, vídeosites,
blogs, etc.
Agora, estamos iniciando outro trabalho, que também
seguirá a sina de ser disponibilizado na rede e já
tem até título: “Fumar? Ufa! Consegui parar!!” (www.cigarro.med.br/ufaparei.htm). Este
terá como objetivo passar um pouco de nossa
experiência como terapeuta, e como ativista, sobre
as mazelas do tabaco.
2 – Qual sua opinião a respeito das
novas advertências nos maços de cigarro?
O primeiro e mais importante papel que as
advertências cumprem é também a de informar. Há
fumantes que desconhecem o potencial destrutivo e
nefasto que o produto que consomem possui. Portanto,
as imagens podem fazê-los travar conhecimento com um
número significativo de doenças tabaco-relacionadas.
Uma pesquisa de há alguns anos, realizada pelo
Datafolha, revelou que fumantes gostariam que as
imagens fossem ainda mais impactantes. E qual o
porquê disto? O ato de fumar é condicionado por uma
droga poderosa em gerar escravos. Vivem, pois, os
fumantes num dilema impressionante: ‘sofrer’ para
abandonar uma fonte de prazer ou adiar a abstinência
até que uma doença os obrigue a isto. Uma pesquisa
que muito me impactou, nos moldes da conferência
supra-citada do Mário Rigatto, foi publicada em
1999, pela JAMA (Journal of American Medical
Association). A sua conclusão foi de que a maioria
dos fumantes acreditava piamente que com eles
próprios a fumaça não teria nenhum daqueles efeitos
danosos aventados.
As advertências nos maços e nos displays dos pontos
de vendas são parte do esforço para reduzir o
consumo daquele que é considerado o pior produto
produzido por mãos humanas, responsável pela morte
de 550 brasileiros por dia e mais de cinco milhões
por ano no mundo. Acredito que, dentro de algumas
décadas, todos riremos da colocação destas imagens,
relembrando-nos de a que ponto foi preciso chegar
para alertar e acordar as pessoas. Entretanto, no
momento, já que ainda há dificuldade de compreensão
dos riscos, elas são fundamentais para informar,
informar e informar!! O mote da OMS na campanha do
Dia Mundial Sem Fumo deste ano de 2009 foi
justamente conclamando todos os governos a adotarem
este recurso de comunicação. Recurso, aliás, que
Brasil e Canadá, de forma pioneira, já utilizam há
quase uma década.
3 – Como você está vendo a proibição
dos ambientes livres do tabaco sabendo que Estados e
Municípios tem aplicado leis diferentes permitindo,
inclusive, os fumodrómos?
Os ambientes fechados de uso coletivo serem livres
da fumaça do tabaco talvez seja uma das iniciativas
mais óbvias a serem tomadas, mediante a infinidade
de estudos científicos correlacionando os
componentes da fumaça gerada pela queima dos
produtos de tabaco com as diversas disfunções
orgânicas e o desencadeamento de doenças.
Co-existem, durante o ato de fumar, três fumaças com
diferentes graus de poluentes. Tem a que o fumante
inala, a que ele expele e uma terceira, a que surge
da queima inocente na ponta da, chamada por alguns,
lanterna de Lúcifer. Pois bem, não há nenhum
trabalho científico que comprove que qualquer uma
destas poluições possa ter algum efeito benéfico
para a humanidade. Consta, entretanto, que aquela
terceira, a que não passa pelo filtro do cigarro e
tão pouco pelo filtro humano, seja a mais maléfica
de todas. Possuindo mais de cinco vezes o número de
substâncias tóxicas aspiradas diretamente pelo
tabagista ativo.
A Organização Mundial da Saúde contabilizou
recentemente mais de 3 mil trabalhos científicos
correlacionando a exposição à poluição ambiental dos
produtos tóxicos do tabagismo com problemas de saúde
da espécie humana.
Em nossos aconselhamentos médicos aos fumantes que
nos procuram para abandonar o fumo, frisamos que,
enquanto ainda não conseguirem livrar-se dos serial
killers, devam evitar fumar em ambientes fechados,
mesmo estando a sós. Isto reduz o teor de nicotina
em suas próprias correntes sanguíneas e os prepara
melhor para enfrentar a separação final.
Como co-existem 1,3 bilhões de fumantes ativos e 2,5
bilhões de fumantes involuntários. O esforço de não
empoderar estes últimos tem sido grande por parte da
inteligência dos executivos da indústria do fumo. A
conscientização dos riscos a que estão expostos
aqueles que, mesmo não sendo nicotino-dependentes,
os também denominados fumantes passivos (que,
muitos, de passivos não têm nada, porque reclamam
como e o quanto podem) faz parte da estratégia de
controle do tabagismo. Esta legião de
não-fumantes-fumantes precisa ser cooptada pelo
movimento mundial pelo banimento do fumo. Tem tudo
para ser uma força decisiva.
Mais uma vez, a informação é peça-chave no
quebra-cabeças do controle do tabagismo. No século
XX o tabagismo foi acusado pela morte de 100 milhões
de pessoas. A estimativa da OMS é de que, no século
XXI este número chegue a 1 bilhão, se não
conseguirmos resultados ainda melhores no controle
do problema. As entidades de classe têm de ser
inseridas na luta, pela pressão que podem exercer e
pela informação que podem passar para os seus
representados. O fumo involuntário é a terceira
causa de morte evitável de nossa espécie.
A luta por ambientes coletivos fechados livres da
fumaça de tabaco é um baita movimento em prol da
saúde pública.
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Fonte : Por um Mundo
sem Tabaco |
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