Publicação do Diretor Presidente do Instituto Brasileiro da Cidadania, Dr. Carlos Henrique Jund
Artigo de Alexandre Milagres
Ano 2000
A Diretora-geral da Organização Mundial da Saúde, a norueguesa Gro Brundtland, conhecida dos brasileiros por haver presidido a ECO-92, priorizou duas doenças, em meio a todas as outras, que receberão as atenções máximas daquela agência da Organização das Nações Unidas, durante a sua gestão: o Tabagismo e a Malária.
Não fossem suficientes todas as informações veiculadas nas últimas décadas sobre o tema, bastaria esta, para termos a noção exata do risco que representa o Tabagismo para a espécie humana.
A manipulação do fumo de tabaco é uma prática reconhecidamente antiga que, para efeitos didáticos, acredita-se haver sido importada dos índios da América Central, após a sua descoberta por Colombo, porém, com fortes evidências de que já existia à época dos faraós.
Nos idos do século XVI, aventavam-se eventuais efeitos curativos para uma série de doenças, o que contribuiu para a rápida disseminação do tabaco por todo o continente europeu. Já aí, iniciava-se o ledo engano de compreensão, que viria a, séculos mais tarde, transformar-se numa catástrofe descomunal para a manutenção da saúde pública de todos os povos do planeta. Fonte inesgotável de sofrimentos e mortes precoces.
O tabaco mascado em rolo, cheirado como rapé, ou fumado sob a forma de cachimbo, charuto e cigarrilhas, jamais trouxe resultados positivos para a saúde da espécie. Entretanto, foi com a era da industrialização dos setores produtivos, e o desenvolvimento de máquinas de fazer cigarros, no início do século XX, que o Tabagismo passou a desencadear os malefícios mais marcantes para o homem.
A aquisição de maços de cigarro e seu consumo desenfreado catapultou uma série de eventos danosos, num intervalo de aproximadamente 30 anos. Os cigarros podiam ser carregados em cigarreiras ou pequenos bolsos das vestimentas masculinas, e eram consumidos ao longo do dia, a intervalos regulares. Seu papel especial e substâncias adicionadas ao fumo impediam que se apagassem repetidamente, a exemplo de seus congêneres charutos e cachimbos.
Doenças incomuns passaram a fazer parte de estatísticas cada vez mais frequentemente, como o fatídico câncer dos pulmões. Esta prática, eminentemente masculina, já na segunda metade do século XX assumia uma conotação absolutamente unisex, proporcionando uma disseminação de doenças sem qualquer respeito à gênero. Nos Estados Unidos da América, onde a epidemia tabágica já alcançou índices alarmantes e cruéis, a principal causa de mortalidade por doença neoplásica maligna é o câncer de pulmão.
O desenvolvimento de metodologias de pesquisa, em muito progrediram com os experimentos realizados para investigação de possíveis danos à saúde humana causados pelo tabaco, na primeira metade do século XX. Em torno dos anos 60, as primeiras conclusões que apontavam uma relação direta entre o hábito de fumar e um infindável número de doenças pode ser democratizado pelos cientistas. Sucessivamente, pesquisas que levaram até 30 anos para serem completadas chegavam, afinal, ao público leigo. Os cientistas comemoraram tais revelações às pamparras, pois, certamente imaginavam que as sociedades iriam interromper o cultivo e o consumo de tal produto, interrompendo-se um ciclo de doença e mortes evitáveis.
A década seguinte, infelizmente, foi a da imensa decepção. Todas as evidências e demonstrações científicas dos malefícios inquestionavelmente correlacionados com o Tabagismo, foram, não só ignorados pela maioria das pessoas e governos, como houve um aumento da presença do vício nefasto. Houve incremento na quantidade de unidades produzidas e comercializadas, uma maior precocidade de adesão à nicotina, por crianças e adolescentes, e a definitiva admissão do imenso contingente feminino no processo.
O resultado desta opção, questionavelmente consciente, das pessoas comuns, dos legisladores e dirigentes das nações, resultou numa situação extremamente grave, em termos de saúde pública. Afetando nações prósperas ou em processo de desenvolvimento, o Tabagismo transformou-se no pior fator externo de doença e morte. Quase meio século depois da disseminação das pesquisas, uma grande legião de indivíduos jovens segue iniciando-se na prática, contando com a participação de coortes ainda maiores, daqueles que, mesmo tentando curar-se, não reúnem apoio suficiente para livrarem-se do poder viciante da nicotina.
Ao arsenal de ilusões geradas pelo Tabagismo, com o velho estoque de sucesso, charme, vigor, coragem, destreza, perda de peso, propriedades relaxantes, etc., alia-se, constrangedoramente, a idéia de que o tabaco gera divisas para as nações. De todas as mentiras que existem sobre o fumo talvez esta seja a mais nefasta, por que costuma ser uma importante justificativa para o não banimento definitivo do Tabaco como um ícone desta civilização. Cada real que entra via sistema Tabagismo, entre um e meio a cinco reais desaparecem em pagamento dos custos de tratamento de saúde, faltas ao trabalho, aposentadorias precoces e perda da mão de obra, por falecimento ou grave incapacitação física.
Estima-se que os atuais 4 milhões de mortes anuais pelo Tabagismo no mundo, passarão a 10 milhões, em 20 anos, se nada for feito.
A tarefa que nos cabe a todos, da diretora-geral da OMS ao professor da escola pública, dos médicos dos postos de saúde ao presidente da república, não pode ser outra que não unir esforços para preservar a natureza humana, com a mesma força que se tenta evitar o fim de uma lagoa ou baía pela poluição igualmente provocada pelo homem, ou, de algum animal distante e ameaçado, de alguma floresta dos trópicos.
Continua na parte 2.