Publicação do Diretor Presidente do Instituto Brasileiro da Cidadania, Dr. Carlos Henrique Jund

Artigo de Alexandre Milagres

Ano 2000

O TABACO E O FIM DO HOMEM (PARTE 2)

Uma das forças mais poderosas do ser humano é o seu instinto de preservação. Se adicionássemos a isto, a sua ainda vocacional tendência egocêntrica, tal qual os antigos que consideravam que o sol giraria em torno da Terra, e não o contrário, que o leva a normalmente visar primeiro a satisfação dos seus próprios interesses e desejos, em detrimento dos de seus pares.

Cabe, portanto, o questionamento de porque, apesar de todos os avisos científicos ou nem tanto, sobre a capacidade malfeitora do tabaco, a humanidade passou todo o século XX a confirmar as expectativas menos alvissareiras sobre as consequências de tal convívio nefasto. Esta combinação HOMEM-TABACO tem se mostrado totalmente inadequada.

As pesquisas científicas da área médica têm levado a compreensão de parte do problema. Os fumantes ainda relutam em abandonar o fumo por crerem que com eles, individualmente, nada ocorrerá. O mesmo fato dá-se em relação aos adolescentes que adentram ao vício da nicotina, pois, imaginam que não só não sofrerão qualquer dano, como poderão livrar-se da dependência tão logo o desejem.

Existem diversas razões para que assim se possa pensar, estejamos iniciando-nos na fase adulta ou vivenciando-a já, em sua plenitude. Não é à toa, que o Tabagismo representa o mal maior  a ser combatido, na avaliação da Organização Mundial da Saúde.

O risco de fumar é subestimado, por tratar-se de uma prática antiga, por estar esta prática absolutamente democratizada, presente junto às hostes mais variadas de pessoas, ricas ou desprovidas de recursos financeiros, intelectuais ou trabalhadores braçais, por formadores de opinião ou sem a mesma. A admissão feminina à legião de nicotino-dependentes terminou por universalizar ainda mais o mercado consumidor.

O custo baixo da droga, em valores absolutos, a sua oferta indiscriminada e liberada, visto, inclusive, que a fiscalização de sua venda aos menores de idade ainda é incipiente no terceiro mundo, também são fatores estimuladores da sua experimentação e consumo. Não há risco físico ou legal embutido na aquisição do produto, como acontece com os usuários das drogas pesadas ou ilícitas.

Nada disto, porém, seria suficiente para considerar-se o Tabagismo como o maior problema de saúde pública do mundo moderno. Devemos acrescentar que, nenhum outro produto industrial no mundo tem tal demanda diuturna. Aqueles que tornaram-se adictos à nicotina, e são 1,2 bilhão de pessoas em todo mundo, consomem trilhões de unidades de cigarros, de segunda à segunda, desde a manhã ao acordar até adormecer à noite, sob qualquer estado de espírito, sob qualquer estação climática e esteja a sua nação em paz ou no pior dos conflitos. Nada tem um mercado tão vasto e tão fiel.

A fidelidade dos fumantes ao Tabaco é outra das principais justificativas para que o problema do fumo exista como tal. Há uma clara perda da liberdade de opção, uma vez que um indivíduo enreda-se na dependência química, sendo que desvencilhar-se desta rede tem sido uma tarefa alcançada por poucos. O poder da nicotina, o componente do tabaco que exerce às funções de carcereiro, aquele que mantém a vítima presa à droga, é imenso. Reconhecidamente maior do que o exercido pela maioria das drogas consideradas ilícitas. O que uma indústria sem consciência cívica e humanística poderia querer mais, do que produzir algo que é consumido por obrigação, sob forte sentimento compulsivo ?

Não se esgota aí, a complexidade da questão Tabagismo. Fumar representa inalar 4.720 substâncias tóxicas conhecidas, fora aquelas que são segredos industriais guardados à sete chaves. Entre elas, dezenas que são capazes de isoladamente gerarem cânceres malignos.

Porém, para que a OMS tenha levado o Tabagismo ao mais alto lugar do pódium, no ranking das doenças, está o fato de que a fumaça do tabaco é responsável por um infindável rosário de comprometimentos da saúde da espécie humana. Quando os principais fatores causadores de mortes são analisados, lá identificamos as doenças cardíacas e cerebrais. Pois, lá também estará a participação do fumo, maior fator de risco para Infartos e Acidentes Vasculares Cerebrais.

O Câncer de Pulmão, nos Estados Unidos, é a primeira causa de morte por câncer tanto no homem quanto na mulher americanos. Nesta última, desde 1985, naqueles, desde 1950. No Brasil, um quadro semelhante está para tornar-se realidade, faltando apenas a passagem de alguns anos para que o tumor pulmonar feminino assuma a mesma liderança já alcançada no homem brasileiro. As substâncias cancerígenas, envolvidas no processo de fumar, circulam por todo o organismo humano, a partir da malha respiratória. Hoje reconhece-se o fumo como principal fator de risco de câncer em sítios onde antigamente não havia esta indicação, tais como, pâncreas, cólo de útero, bexiga, estômago, esôfago, entre outros.

A quinta causa de morte no mundo atende pela sigla DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica), o complexo Bronquite Crônica - Enfisema Pulmonar, sendo que mais de 90% das pessoas que desenvolvem DPOC, o fazem por causa do fumo. Aproximadamente 15% dos fumantes desenvolvem DPOC.

O prejuízo causado ao binômio mãe-feto é outro dos motivos pelos quais o Tabagismo é execrado. O fumo altera a fecundação, isto é, a própria concepção, por alterações seja nos espermatozóides, seja nos óvulos. É causador de abortamentos espontâneos e de prenhez na trompa. É fator de risco sério para partos prematuros, por bebês com baixo peso ao nascer e pela síndrome da morte súbita do bebê (MSB). Gera diminuição intelectual da criança e, é fonte de diminuição de resistência à infecção, inclusive, meningite. Agrava a hipersensibilidade alérgica desencadeando crises asmáticas graves.

As mulheres são palco para farto material educativo, de como o Tabagismo pode alterar a fisiologia humana. A mulher fumante tem sua menopausa antecipada pelo fumo, com isto expondo-se mais às doenças tromboembólicas, tais como, infartos e derrames. Esta mesma alteração hormonal leva ao desenvolvimento de osteoporose, que predispõe-na às fraturas e dores ósseas de repetição. Além é claro, do desencadeamento de inúmeros tumores malignos em diversos órgãos.

Se não bastassem todas as considerações acima citadas, há ainda um agravante adicional. Existem interesses bastante expressivos para que este mercado continue gerando novos nicotino-dependentes, novos drogadictos ao tabaco. As indústrias tabageiras aliadas às empresas de publicidade têm tido um papel devastador na epidemia tabágica. A exposição abusiva na mídia torna o fumo algo aceitável e amistoso. A juventude tem sido um alvo recorrente das mais diversas campanhas publicitárias.

Os esforços e recursos parcos, sobretudo, nas nações em desenvolvimento, têm sido claramente insuficientes para deter o avanço desta, que poderíamos denominar, peste moderna.

Nos Estados Unidos, acordos extrajudiciais têm sido firmados entre as empresas produtoras de fumo e os governos estaduais e federal americanos. As lideranças do movimento antitabagismo daquele país, berço das maiores e melhores experiências neste sentido, têm reafirmado que: a primeira fase do movimento foi a divulgação, nas décadas de 50 e 60, dos resultados das pesquisas comprovando os males causados pelo fumo; a segunda, a frustação pela surdez social, que não assimilou a necessidade de mudar de comportamento, para a auto-preservação da espécie; e, por último, já nos anos 90, a responsabilização das indústrias tabageiras pelo caos gerado pelos produtos que comercializam.

O alerta da Organização Mundial da Saúde é de que há que agir-se rápido se ainda quisermos alterar o curso da história, evitando-se as 10 milhões de mortes previstas para 2.020, mortes que se repetirão ano à ano em igual número. O Tabagismo, como doença, deve ser banido. Assim como fizemos com outras pestes anteriormente.