Capítulo 11

FALA LOGO, E QUANDO RESOLVE-SE
NÃO REPOR A NICOTINA ?


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ilustração de Kamil Yavuz ©- Turquia

Primeiro, as indústrias iriam reclamar muito...

Desde aquela vontade de fumar que o "cheio de birita" resolve fumando mais, como vimos no capítulo anterior, para aquela que começa a aparecer quando a pessoa decide não mais inalar nicotina, não há diferença no início, com o passar das horas é que o problema acontece.

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O corpo e, principalmente, o cérebro, vão pedir nicotina. Não pensem que é fácil enganá-los com balinhas, drops, cenourinhas, etc. Eles sabem o que é a nicotina. Eles custaram um pouco, toleraram-na e agora só querem saber dela, digamos, a cada meia hora.

Nas primeiras meias-horas, com o(a) valente cheio de energia, daquela que move os heróis e as heroínas, as sensações são até agradáveis, tipo: " é comigo mesmo ! ", ou, " sou mais eu ! ", ou, " sou forte, não seria uma nicotinazinha que iria me derrotar ", ou, " aquele médico não tava com nada, quando dizia que poderia ser difícil ", ou " fulaninho é que é um fraco, olhe como foi fácil ", ou, " que grande decisão tomei, cuidar mais de mim ", ou, " bem que me disseram que esse mantra era poderoso ", ou, " o sangue de Jesus tem poder ", ou, blá,blá,blá,... ".

Enquanto isto, a taxa de nicotina começa lentamente a baixar. A cada meia hora ela desce um pontinho...

Para alguns, já mesmo no primeiro dia, a síndrome da abstinência nicotínica começa a dar seus sinais. Para outros, ainda é possível se vangloriar por mais algumas horas ou dias.

tobaccocontrol


O fumante fuma só porque quer ?

Luíz Dutra Jr._10 anos

A influência sobre o(a) fumante é sinistra...

O primeiro sinal da síndrome é que, a partir de um certo momento (muito pessoal, que varia demais, de pessoa para pessoa), aquela vontade de fumar, que se tinha normalmente, vai ficando insuportável. A vontade de fumar torna-se absoluta, total. Não se tem vontade para mais nada, por mais interessante, apetitoso, lindo ou qualquer outro adjetivo que possa ter alguma outra coisa que esteja sendo oferecida para apagar " aquela vontade ".

Até aí, o herói ou a heroína conseguiu suportar (se não, não seriam dignos deste título) mas, a dita síndrome continua a fechar o cerco. Surge então a famosa irritação. Tudo passa a irritar (não à garganta e aos brônquios, pois, estes já estavam por demais irritados pela fumaçada crônica!!). É uma irritação mental e emocional que, a cada meia hora, tende a crescer. No início com coisas razoáveis de se irritar mas, rapidinho, por qualquer besteira. Tudo passa a ser motivo de grande irritação.

O quadro já começa a inspirar cuidados: a vontade de fumar está aumentando e, ao invés de se estar calmo para lidar melhor com esta situação (requisito básico de qualquer herói ou heroína em momentos decisivos), entra-se num " nervoso " de dar dó.

Vocês, por acaso, já estiveram com alguém num período destes?

A nicotina está começando a ganhar a guerra...

Não satisfeito, se o organismo ainda suporta esses traumas, vem uma avalanche de sintomas, como : ansiedade, tristeza, depressão, insônia ou sonolência.

Pode ocorrer uma tremenda perda de concentração para as mais simples atividades. Uma cliente nossa, por exemplo, esqueceu de pegar o filho na aula de judô, durante a fase inicial de sua síndrome de abstinência. Deixar panela no fogo, é café pequeno nestas situações. É muito descrita a sensação de cabeça ôca.

Além, é claro, daquele conhecido filme dos assaltos às geladeiras e balcões de lanchonetes, com o consequente ganho de peso que tanto preocupa homens e mulheres, vaidosos ou não.

Infelizmente, a maioria sucumbe, não aguenta e volta a fumar. Mesmo após passar, às vezes, por um longo período de sofrimento. Normalmente, engana-se com o famoso: " é só unzinho, depois eu paro de novo... ", ou então, " na segunda-feira, não tem erro... ", ou, " nas próximas férias, com a cabeça mais fresca... ", ou, " depois que passar este problemão que estou vivendo... ", ou, " foi tão fácil ficar esses três dias sem fumar... Vou fumar só mais uns dias antes de parar definitivamente. Foi moleza !! ", ou, " preciso me respeitar mais, ainda não chegou o momento, não vamos forçar a natureza ". Já era, a nicotina venceu mais uma vez !!

Tem até uma piada antiga, atribuída ao escritor Mark Twain: " parar de fumar é a coisa mais fácil do mundo, eu já parei mais de cem vezes ".

Muitos não passam por estes dissabores, alegam, pura e simplesmente, para si mesmos e para os antitabagistas das redondezas que, fumam porque isto lhes dá prazer (!?!). Com estes, nada há a fazer, no momento. Não o provoquem !

Uma experiência bem didática que sugiro que vocês façam, para constatarem o que vem sendo dito, é a de esconderem o único maço de cigarros de um fumante e, observarem as suas reações. Vocês verão como será difícil para ele ficar sem aquela " fonte de prazer ". Não encarem isto como uma sessão de sadismo e sim, como uma experiência científica, destas que vocês fazem na escola. Contudo, não levem o amigo fumante ao seu extremo limite pois, como poderão observar, sua tendência será a de tornar-se bem agressivo, correndo risco, inclusive, a própria amizade. É fundamental perceber a diferença entre o que é a busca legítima pelo prazer e, o que é pura e simplesmente o vício (de fumar, por exemplo).

Livre para fumar ou parar, campanha dos cigarros Free.

Contando com a ajuda da nicotina, fica fácil fazer blá, blá, blá, para tentar livrar-se de futuros processos judiciais e para sair bem na foto. As pessoas até podem ser livres para optar, porém, eles sabem que só três por cento conseguem sem tratamento. Eles sabem disto muito bem. A verdadeira questão de ser free (livre) é não entrar na escravidão do tabagismo agora, na idade de vocês, adolescentes.

Um trabalho muito interessante feito há alguns anos, mostrou que existem quatro situações que podem praticamente anular os sintomas da síndrome de abstinência, a saber : a entrada para algum tipo de seita religiosa, a entrada para algum grupo de prática de esportes competitivos, a notícia de estar grávida e, por último, receber do médico a notícia de que corre risco de vida (e, que seja fundamental para tentativa da sua salvação, largar o vício). Chamamos a atenção, em relação a estes tópicos, que não se trata de uma regra mas, de uma constatação estatística.

Um colega de bairro, Leblon, e escritor famoso, imortal da Academia Brasileira de Letras, João Ubaldo Ribeiro, de quem sou tão admirador que, quando conversamos, duvido que me torne minimamente compreensível, de tal forma me desarticulo verbalmente de nervosismo inconfesso. Não riam. Vocês já estiveram frente a frente com alguém de quem vocês são tietes ? Não é fácil. Vejo, no bar do Chico, o Tio Sam, a naturalidade com que seus colegas de mesa, e de papo, o tratam. Quando tomo coragem para lhe emitir alguns monossílabos, pareço estar me preparando para fazer um discurso que irá , ou teria a pretensão de, mudar radicalmente o mundo. Não é mole. Um ídolo jamais deveria morar no seu bairro. Aliás, estou me preparando para em nosso próximo encontro, talvez na saída do colégio dos meus filhos, perguntar a ele se, como eu, teve vontade de chorar ao ver que uma das últimas livrarias do Leblon tinha virado a sua trigésima farmácia (sobraram apenas a Livraria Argumento, a Contra Capa e a Dantes. E, que Deus as proteja...). O importante, neste caso, são as suas crônicas escritas para o jornal O Globo, na época em que ele narra as suas tentativas de parar de fumar e deixar de precisar repor a nicotina. Eis, portanto, um trecho de uma destas crônicas, que me foi autorizado pelo autor reproduzir, entitulada:

"Deixando de fumar - Capítulo MDXXXI..."

"... Fico imaginando meu necrológico, já que provavelmente terei um, nem que seja pronunciado por um confrade amigo da Academia, no momento em que estiver sendo baixado ao Mausoléu dos imortais. Escritor, romancista e tal e coisa, abandonou repentinamente suas atividades aos 55 anos, para dedicar o resto de sua existência a deixar de fumar. Suas últimas palavras, já no leito derradeiro, foram: _ SERÁ QUE CONSEGUI ? Como ninguém certamente as responderá, já que meu leito derradeiro provavelmente será a enxerga de uma UTI e o anúncio de meu passamento um apito de um aparelhinho e, de qualquer forma, ninguém compreenderia os balbucios de uma boca entupida de tubos, JAMAIS SABEREI ".

Queridos amigas e amigos adolescentes, envio-lhes todo meu amor e o meu trabalho, para que vocês não entrem nesta furadíssima. Começar a fumar, é um trilhão de vezes mais fácil do que parar...

Na mesma época em que ouvi Djavan cantando uma de suas composições, chamada Nem um dia, estava tratando de um cliente para abandono do fumo. Vivíamos juntos a sua experiência e sofrimento. Subitamente, apropriei-me da idéia e inspiração djavaniana e senti a música como a melô da síndrome da falta de nicotina, do disco Djavan ao vivo:

"Um dia frio / Um bom lugar pra ler um livro / E o pensamento lá em você / Eu sem você não vivo.

Um dia triste / Toda fragilidade incide / E o pensamento lá em você / E tudo me divide.

Longe da felicidade / E todas as luzes / Te desejo como ao ar / Mais que tudo.

És manhã na natureza das flores / Mesmo por toda riqueza dos sheiks árabes / Não te esquecerei um dia / Nem um dia.

Espero com a força do pensamento / Recriar a luz que me trará você / E tudo nascerá mais belo. O verde faz do azul com amarelo / O elo com todas as cores / Pra enfeitar amores gris.

Para ajudar neste processo duro de abandonar o matador de gente, a metodologia dos 12 passos dos Alcoólicos Anônimos (AA) foi adaptada há alguns anos, sob a denominação de fumantes anônimos...

A indústria farmacêutica também tem esforçado-se para produzir tratamentos que possam ser eficazes na ajuda aos pacientes a ficarem sem fumar, portanto, sem nicotina. Outro dia, surpreendí-me ao ver NICOPATCH (um adesivo de nicotina) patrocinando um time da França de futebol, o Toulouse. Que vitória do movimento francês contra o fumo.

NICOPATCH _ Laboratórios Pierre Fabre


Apesar de toda a informação existente, os principais dirigentes das indústrias americanas de fumo afirmaram perante um tribunal que acreditavam que a nicotina não gerasse dependência. Foram todos condenados por perjúrio, por mentirem diante da comissão do congresso americano: eles disseram "I believe that nicotine is not addictive (Eu acredito que a nicotina não provoque dependência)".


 

Entrevista do Dr. Michael Thun, da Sociedade Americana contra o Câncer, à Rede NBC, sobre como a indústria do tabaco age para aumentar a capacidade de gerar escravos aos seus produtos (19/jan/2007).


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