Carta de pais órfãos de filhos 

Pela segurança no trânsito brasileiro

lida em sessão solene do Congresso Nacional_23/abr/07

A perda de um filho é tão antinatural que não há em nossa língua um termo que defina essa situação.
Mas o paradoxo em nosso país é que por mais antinatural que seja, o trânsito está matando, como nunca, os nossos jovens.

Para nós, pais, parentes e amigos de vítimas de trânsito, a dor intensa do primeiro momento aumenta a cada dia. Em primeiro lugar, pela certeza de que não teremos mais os nossos jovens juntos de nós. Em segundo, pela constatação cruel de que pelo descaso e omissão de autoridades e de parcela expressiva da sociedade, novos pais órfãos de filhos juntar-se-ão ao já gigantesco contingente de eternas vítimas indiretas da violência no trânsito.

Mas desta indescritível dor, há que tirarmos uma lição. A família, nesse momento, deve continuar firme nos seus propósitos, permanecer forte e seguir em frente, sem jamais virar as costas para a vida. Não há outra alternativa para aqueles que são alcançados por tragédias tão marcantes como a perda de um filho de maneira prematura. Nossa missão passa a ser não desanimar, ser solidário, ter fé e permanecer produtivo,... Este deve ser sempre nosso lema.

O que aprendemos desta trágica experiência??
Podemos garantir que aprendemos, aprendemos muito!!!

O que modificou em nossas vidas?
Muita coisa, é verdade!!!

E como fica a cabeça de um próximo de uma vítima fatal de trânsito? Como fica a família? Já pensaram nisto?
Famílias permanentemente enlutadas...
Dia dos pais...
Dias das mães...
Natal sem eles...
Aniversários...
Sonhos e esperanças brutalmente interrompidas...
Netos que nunca teremos..
Pensaram nisto também?

Se nunca pensaram é porque tiveram a dádiva de não serem alcançados pela tragédia. Mas isso, infelizmente, não imuniza ninguém. Sabemos que é extremamente desconfortável para muitos, o assunto "dor". Mas vamos falar um pouco de dor sim!

Não podemos ficar indiferentes à dor de tantas famílias que perdem seus familiares todos os dias em nossas cidades em acidentes de trânsito. A verdade é que não sofremos apenas por perdas decorrentes de acidentes de trânsito, mas sim por todo o tipo de perda, e aí, constatamos a triste realidade da banalização da vida, seja por bala perdida, por violência doméstica e até por violência verbal que muitas vezes maltrata e fere mais que uma agressão física. As notícias das mais variadas formas de perdas fatais entram pelas nossas telinhas no dia a dia como fatos corriqueiros e se perdem entre manchetes de traficantes, políticos corruptos, bandidos, sonegações, guerras, atentados etc..., roubando e/ou ocupando um espaço que deveria ser ocupado pela vida, ou pelo pleno direito de viver em paz.

O que está acontecendo? A nossa sociedade ficou totalmente insensível?
Estão acreditando que tragédias só acontecem com os outros?
O que passa pela cabeça dos nossos governantes, dos senhores da lei, da própria sociedade organizada, para não adotar atitudes firmes e medidas objetivas para combater essa tragédia absolutamente previsível e tantas vezes anunciada?.

Nosso fardo é pesado, mas encontramos forças para suportar além da nossa, o peso da dor de outros irmãos.

Como vítimas de trânsito, podemos e devemos cobrar respostas daqueles que detém o poder. Reservamo-nos o direito de cobrar das autoridades constituídas soluções definitivas, respeito e justiça.


Nessa semana quando se celebra em todo o mundo a I Semana Global de Segurança Viária, cabe a pergunta: celebrar o quê? Quanto avançamos aqui no Brasil, de 2004 para cá, quando o mundo também se mobilizou por iniciativa da Organização da Nações Unidas (ONU)?

Referimo-nos, de forma clara e com caráter objetivo, às 06 recomendações para um trânsito saudável e seguro que a Organização Mundial da Saúde, e a própria ONU, determinaram aos países membros. Estas recomendações foram tema de um seminário, que reuniu quase uma centena de especialistas no Rio de Janeiro, que resultou em um documento encaminhado ás autoridades, das quais não temos resposta. Ou melhor, a resposta que temos é ver os números dos acidentes de trânsito aumentarem todos os anos, freqüentemente por culpa de irresponsáveis que desafiam a lei e os direitos de vida de cada um de nós, da impunidade, da omissão das autoridades, da benevolência da lei e da lentidão da justiça.

Temos, a cada ano, milhares de jovens habilitando-se para o trânsito e, sem perceberem, alistando-se nessa guerra selvagem onde o inimigo anônimo e disfarçado pode ser qualquer um que cruze seu caminho.

A pergunta que vamos seguir fazendo, até que atitudes sejam tomadas, é:

continuaremos a presenciar a morte de nossos filhos, como se frutos maduros caindo de árvores fossem?

 

FERNANDO ALBERTO DA COSTA DINIZ

                         
Pai de Fabrício Diniz - Vítima fatal, falecido aos 20 anos, em 10 de março de 2003, num trágico acidente de trânsito na Av. das Américas, Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, junto com mais duas amigas, Mariana e Juliane, todos sentados no banco de trás de um automóvel Peugeot sem o uso do cinto de segurança. Motorista e carona escaparam ilesos. Marcelo Kijak, o condutor irresponsável está foragido e é procurado pela Interpol em todo o mundo.

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