Bonequinha de Luxo

(Breakfast At Tiffany's)

A convocação das mulheres para o tabagismo


  

Bonequinha de Luxo

O Centro de Apoio ao Tabagista, coordenado pelo médico ativista Alexandre Milagres, divulga trechos de clássico do cinema, Breakfast At Tiffany's, onde a parceria da indústria cinematográfica com a indústria do tabaco rendeu bons frutos para ambas.

A protagonista Audrey Hepburn está deslumbrante, fuma praticamente em todas as cenas e chega a ostentar o cigarro como uma bandeira.

Este filme, de 1961, foi tão impactante, que o vestidinho preto básico da protagonista, desenhado por Givenchy, foi leiloado em Londres, mais de 40 anos depois, por US$ 900.000. Um selo, com a imagem de Audrey Hepburn pitando, acaba de ser leiloado na Alemanha, por US$ 70.000

Aparentemente, o processo de sedução das mulheres para o fumo, após a II Grande Guerra, deu certo para a indústria do tabaco. Entretanto, a adoção pela legião feminina deste comportamento do sexo oposto foi extremamente danoso. Os estudos têm demonstrado que a mulher, em relação ao tabagismo, é, aí sim, o sexo frágil. Em 1950, a mortalidade por câncer de pulmão era muito pequena nas mulheres. Trinta anos após a iniciação em massa nos países onde a mulher era mais independente, na década de 80, a mortalidade por câncer assumiu a liderança, por exemplo, entre as mulheres americanas. No Brasil, onde as mulheres iniciaram-se mais tarde, estamos indo pelo mesmo caminho.

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Mortalidade por câncer de pulmão entre as mulheres americanas

Para a indústria do fumo é importantíssimo atrair o contingente feminino. Na China, por exemplo, o mercado masculino é imenso, mas o feminino parece estar a ser conquistado. Em torno de 80% dos homens chineses são fumantes, enquanto que só 5% das mulheres o são. Enquanto que as mulheres europeias e americanas do norte estão abandonando a prática, as mulheres jovens dos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos estão sendo cooptadas. Nos dias atuais, 40% dos homens do planeta são fumantes, enquanto que 'apenas' 9% das mulheres o são. Daí a ação da indústria.

 

O Tabagismo na China, a indústria do tabaco na busca pela mulher


A Organização Mundial da Saúde, meio século após a 'Bonequinha de Luxo' e outras peças publicitárias explícitas em propagandas ou camufladas como nos filmes, haverem seduzido as mulheres para a nicotina, alerta para os riscos do tabagismo feminino.

O mote do Dia Mundial Sem Fumo de 2010 é justamente este:

WHO home

World No Tobacco Day 2010

Theme: Gender and tobacco with an emphasis on marketing to women

16 December 2009 -- The World Health Organization (WHO) selects "Gender and tobacco with an emphasis on marketing to women" as the theme for the next World No Tobacco Day, which will take place on 31 May 2010.

Controlling the epidemic of tobacco among women is an important part of any comprehensive tobacco control strategy. World No Tobacco Day 2010 will be designed to draw particular attention to the harmful effects of tobacco marketing towards women and girls. It will also highlight the need for the nearly 170 Parties to the WHO Framework Convention on Tobacco Control to ban all tobacco advertising, promotion and sponsorship in accordance with their constitutions or constitutional principles.

Women comprise about 20% of the world's more than 1 billion smokers. However, this figure is bound to increase. Male rates of smoking have peaked, while female rates are on the rise. Women are a major target of opportunity for the tobacco industry, which needs to recruit new users to replace the nearly half of current users who will die prematurely from tobacco-related diseases.

Especially troubling is the rising prevalence of tobacco use among girls. The new WHO report, Women and health: today's evidence, tomorrow's agenda, points to evidence that tobacco advertising increasingly targets girls. Data from 151 countries show that about 7% of adolescent girls smoke cigarettes as opposed to 12% of adolescent boys. In some countries, almost as many girls smoke as boys.

World No Tobacco Day 2010 will give overdue recognition to the importance of controlling the epidemic of tobacco among women. As WHO Director-General Margaret Chan wrote in the aforementioned report, "protecting and promoting the health of women is crucial to health and development – not only for the citizens of today but also for those of future generations".

The WHO Framework Convention, which took effect in 2005, expresses alarm at "the increase in smoking and other forms of tobacco consumption by women and young girls worldwide".

Although the World No Tobacco Day 2010 campaign will focus on tobacco marketing to women, it will also take into account the need to protect boys and men from the tobacco companies' tactics. As WHO said in its 2007 report, Gender and tobacco control: a policy brief, "Generic tobacco control measures may not be equally or similarly effective in respect to the two sexes…[A] gendered perspective must be included…It is therefore important that tobacco control policies recognize and take into account gender norms, differences and responses to tobacco in order to…reduce tobacco use and improve the health of men and women worldwide".

In another 2007 report, Sifting the evidence: gender and tobacco control, WHO commented, "Both men and women need full information about the sex-specific effects of tobacco use…equal protection from gendered advertising and marketing and the development of sex-specific tobacco products by transnational tobacco companies…[and] gender-sensitive information about, and protection from, second-hand smoke and occupational exposure to tobacco or nicotine".

The WHO Framework Convention recognizes "the need for gender-specific tobacco control strategies", as well as for the "full participation of women at all levels of [tobacco control] policy-making and implementation [of tobacco control measures]".

On World No Tobacco Day 2010, and throughout the following year, WHO will encourage governments to pay particular attention to protecting women from the tobacco companies' attempts to lure them into lifetimes of nicotine dependence. By responding to WHO's call, governments can reduce the toll of fatal and crippling heart attacks, strokes, cancers and respiratory diseases that have become increasingly prevalent among women.

Tobacco use could kill one billion people during this century. Recognizing the importance of reducing tobacco use among women, and acting upon that recognition, would save many lives.


Divulgamos coluna da jornalista Cristiane Segatto, aludindo ao tema do Dia Mundial Sem Fumo de 2010

 Reprodução

CRISTIANE SEGATTO
Repórter especial, faz parte da equipe de ÉPOCA desde o lançamento da revista, em 1998. Escreve sobre medicina há 14 anos e ganhou mais de 10 prêmios nacionais de jornalismo

Revista Época, 04/jun/2010

Cadê o charme da mulher brasileira?

A indústria tenta associá-lo ao cigarro. Seria uma conversa apenas absurda se não fosse cruel

CRISTIANE SEGATTO

  Reprodução

PROPAGANDA DE CIGARRO 
Uma foto reveladora de um tempo que, felizmente, já passou

Não faz muito tempo estava na praia com meu marido quando ele chamou minha atenção para essa foto. Ele tinha certeza de que algum dia eu daria um jeito de escrever sobre ela. Acertou. Naquele feriadão, o Dante procurou nas prateleiras lá de casa um livro que combinasse com praia. Decidiu reler Ela é carioca: uma enciclopédia de Ipanema, do jornalista Ruy Castro. Quer companhia melhor para um dia de sol e preguiça? Pois, então. A foto, publicada no livro, integrava a campanha publicitária de lançamento do cigarro Charm. Nos anos 70, foi espalhada nos outdoors das grandes cidades com a frase: “No Brasil tôda mulher tem Charm”.

Vinte e cinco mulheres famosas posaram para as lentes do célebre fotógrafo da revista Life David Zingg. Todas com um cigarro entre nos dedos. Consegui reconhecer Danuza Leão, Leila Diniz, Elke Maravilha e Clementina de Jesus (que, segundo Ruy Castro, não era fumante). Não encontrei a legenda dessa foto em lugar nenhum. É uma pena. Adoraria poder identificar cada uma das celebridades. Se alguém reconhecer alguma delas, por favor, conte pra gente.

É curioso observar os padrões de comportamento ditados pelo marketing e a influência dele sobre nossas escolhas. A indústria tabagista conseguiu convencer algumas gerações de mulheres de que para ser linda, sensual, charmosa e, pricipalmente, livre era preciso fumar.

Esse convencimento não é feito no plano racional. Nesse plano, seria quase impossível convencer uma mulher a fumar. A mensagem não colaria simplesmente porque o cigarro é incompatível com a vaidade feminina. Como convencer alguém a comprar um produto que, antes de matar, destrói a beleza? Se quisesse ser fiel aos atributos de sua marca, a indústria teria que anunciar algo assim: “fume esses cigarros por duas décadas e, aos 40 anos, você terá a pele de um maracujá e os dentes de um cão sem dono.”

Como esses atributos são invendáveis, a indústria vende o intangível. Vende uma aura, uma atitude, uma imagem. Para fazer essa imagem colar, usou (por várias décadas) o cinema, os editoriais de moda, os outdoors. A partir da aprovação de várias restrições à propaganda de cigarro, a indústria passou a adotar outros recursos para conquistar a juventude: patrocina eventos bacanas, distribui amostras grátis, entre outras coisas.

Um dia desses fui almoçar no shopping e parei para tomar um café. Ao lado do caixa, uma mocinha promovia uma marca nova. Quando ela me ofereceu uma amostra grátis, levei um susto. E respondi como se estivesse vendo um ET. “Você está me oferecendo cigarro? Cigarro? Esse tipo de promoção ainda existe? Isso é permitido?”

Sinceramente não sabia que a lei ainda permite esse tipo de ação promocional. Com tanto conhecimento disponível sobre os males do cigarro (para ficar só em um exemplo,
confira aqui  como ele pode provocar AVC em mulheres jovens) e com o sucesso das leis antifumo, aquela cena me pareceu deslocada no tempo e no espaço. Enquanto olhava a moça, minha mente voltou à porta da escola da minha infância. Experimentei uma espécie de déjà vu. Já contei essa história aqui, mas vale a pena voltar a ela.

Quando eu tinha 12 anos e estudava numa escola pública da Freguesia do Ó, fui abordada por uma dessas mocinhas. Isso mesmo. Naquele tempo a indústria do tabaco se sentia autorizada a viciar crianças na porta da escola, no meio da tarde. A moça que promovia uma marca nova me entregou uma amostra-grátis com três cigarros. Sozinha, escondida no quintal de casa, resolvi experimentar. Achei o gosto horrível e desisti.

Foi a única vez que coloquei um cigarro na boca. Por sorte, achei a experiência péssima e escapei de ser fumante. Muitas outras garotas não escaparam. Por que aceitei tão facilmente o convite da promotora se cresci num ambiente livre do cigarro? Meus pais nunca fumaram, meus amigos não fumavam e meus professores nunca fumaram na frente dos alunos.

Fiz isso pela mesma razão que leva tantas meninas a experimentar cigarro ainda hoje. Queria ser gente grande (com 12 anos ???), dona do meu nariz. “O adolescente quer ser adulto. Como só os adultos podem fumar, ele acha que o cigarro é sinal de que não é mais criança”, diz Valéria Cunha, chefe da divisão de controle do tabaco do Instituto Nacional do Câncer (Inca).

Oferecer cigarros a crianças é evidentemente uma ilegalidade. Mas essa prática é menos ocasional do que eu imaginava. A pesquisa Vigescola, uma iniciativa da Organização Mundial da Saúde para monitorar o uso de cigarros pelos adolescentes, flagrou o problema no Brasil. A pesquisa foi realizada em 2002 e 2003 com estudantes de 13 a 15 anos de escolas públicas e privadas. Vários alunos relataram ter recebido cigarros de representantes da indústria. Em Fortaleza, 13,9% dos alunos tiveram acesso ao cigarro dessa forma. O índice foi de 12,9% em Boa Vista e acima de 10% em Porto Alegre, Vitória e Palmas.

É espantoso que isso aconteça no Brasil em pleno século XXI, não é? As estratégias da indústria para conquistar a garotada é uma das grandes preocupações da OMS. No dia 31 de maio, a entidade promoveu o Dia Mundial Sem Tabaco. O tema deste ano é o marketing direcionado ao público feminino, principalmente às adolescentes e às jovens.

A OMS investigou o tabagismo entre os jovens em 151 países. Em metade deles, a parcela de garotas fumantes é semelhante à verificada entre os meninos. Em alguns países, já há mais fumantes adolescentes do sexo feminino do que masculino. Quem fuma na adolescência tem grandes chances de continuar fumando na idade adulta. Para combater a imagem de glamour que a indústria ainda tenta associar ao cigarro, a OMS está divulgando cartazes como este: 

  Reprodução

O poster imita a capa de uma revista de moda e traz a chamada: “Chique? Não, câncer de garganta”.


Em muitos círculos sociais, fumar está fora de moda. Não em todos, infelizmente. Sempre que o assunto é estilo e bom gosto, Danuza Leão costuma ser ouvida. Na foto dos anos 70, Danuza é a linda moça no centro da primeira fila. Veste camiseta verde e vermelha. Danuza foi modelo, socialite e hoje publica ótimas crônicas na Folha de S. Paulo. No ano passado, ela escreveu um texto que reflete a decadência que o tabagismo vive - e a que ele causa. Reproduzo aqui o texto exemplar de Danuza.

Nos anos 40, todos os filmes mostravam os atores e atrizes fumando, e isso fazia parte do glamour da época. Lembro da cena de um filme em que o ator punha dois cigarros na boca, acendia os dois e passava um deles para a atriz com quem contracenava. Quanta burrice; quanta ignorância. Eu também fui burra e ignorante durante anos, e apesar de ter sido alertada por tanta gente, só parei de fumar no tranco, isto é, quando meus pulmões pediram socorro (...) Está aí uma coisa de que me arrependo muito: ter sido fumante. (...) A indústria é poderosa, mas está se ferrando no mundo todo; e tomara que se ferre mais ainda. Que vergonha eu tenho do tempo em que me achava moderna e rebelde e fazia a apologia do fumo. E que raiva eu tenho de mim mesma, quando quero andar mais rápido e não consigo, porque minha respiração falha.”

Aqui na revista convivo com muitas moças inteligentes. A emancipação feminina já havia sido conquistada há muito tempo quando essas meninas nasceram. Ser ou não ser livre é uma questão que nunca esteve no horizonte delas. Em relação aos costumes, elas são livres. Nasceram livres. A independência pela qual batalham é financeira. E batalham com as armas certas: com disciplina, talento e conhecimento. Nunca precisaram do cigarro para demonstrar coisa alguma. São lindas, sensuais e charmosas. O charme das brasileiras continua a estar onde sempre esteve: na alegria, na espontaneidade, na beleza mestiça e na disposição diária de avançar e ser feliz. O cigarro não tem nada a ver com isso.

Você concorda? Discorda? Tem alguma experiência ou opinião sobre o cigarro? Conte pra gente. Queremos ouvi-la.

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