Governo do Rio de Janeiro

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Conexão Professor

 

Especial

 

Jornalista Rebecca Porphírio

31 de maio de 2009

ENTREVISTA: Alexandre Milagres - Pneumologista fala sobre o risco do tabaco

para crianças e adolescentes

 

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Alexandre Milagres.


Muito se fala sobre o peso do tabagismo para a saúde da população mundial. Pouco, porém, se discute sobre como cortar esse mal pela raiz, sequer por onde começar. A resposta para o vislumbre de um futuro sem tabaco está em nossas crianças e adolescentes. Pelo menos é o que acredita o pneumologista Alexandre Milagres, coordenador do Programa de Controle do Tabagismo e médico do Ministério da Saúde.

A tarefa dos mais experientes é fazer com que os jovens enxerguem o cigarro como o monstro que ele, de fato, é: uma reunião de substâncias químicas que causam dependência e provocam imensa agressão a um harmonioso organismo. Foi com essa idéia em mente, que Alexandre idealizou e concretizou um livro eletrônico que pudesse conversar com os jovens, motivá-los, incentivá-los e conceder o dom da informação.

O médico criou, então, em 1996, o e-book “Fumar pra quê, meninas e meninos?” com diversas informações sobre o tabaco e toda a utilização que se faz dele, traçando um panorama completo, que vai desde a história do descobrimento da folha do tabaco até toda e qualquer modificação que ocorre no organismo a partir do momento em que se aspira a fumaça. O site, que já chegou a receber 100 mil visitas diárias, tem linguagem leve e descontraída, com curiosidades impressionantes sobre o cigarro, além de dados muito importantes sobre a publicidade e o comércio do tabaco.

Confira a entrevista exclusiva que o pneumologista deu ao Conexão Professor e entenda por que é urgente que crianças e adolescentes abram seus olhos e aceitem que o tabaco não passa de uma... droga.

Conexão Professor (CP) - Qual a importância de usar um meio dinâmico e atual como a internet, no caso do seu livro eletrônico, para alcançar adolescentes que estão para entrar ou já entraram no mundo do tabaco?

Alexandre Milagres - A parte mais expressiva do movimento contra o tabagismo é a transmissão de informação. O conhecimento presente hoje sobre os mais variados aspectos deste gravíssimo problema de saúde pública é fundamental para a tomada de decisões. A internet, considerada o maior avanço tecnológico do século passado, é o principal canal de comunicação de que lançamos mão para difundir a informação.

O livro eletrônico (e-book) “Fumar pra quê, meninas e meninos?”, que está no ar desde 1996, tem sido o nosso instrumento principal de contato com a turma mais jovem, mas não apenas com ela. Por meio deste trabalho, acabamos construindo uma imensa rede de contatos, que vai de jornalistas a políticos; de pais a professores dos jovens; de colegas de área de atuação a pretendentes a tornarem-se ex-fumantes. Há anos enviamos informação atualizada e crítica sobre tabaco para mais de 300 jornalistas e mais de 400 coordenações pedagógicas de escolas de Ensino Fundamental e Médio Brasil afora.

Além disso, a característica eletrônica do livro abre uma infinidade de possibilidades de aperfeiçoamento e atualização temática. Temos a possibilidade de ilustrar uma informação com imagens obtidas em outros sítios, de enriquecer um depoimento com a indicação de outra página especializada ou de interesse, de inserir imediatamente um novo dado descoberto ou notícia relevantes da véspera, etc. A eletrônica ainda permite a coligação do site com outras formas de comunicação, como podcasts, twitter, blogs e vídeos no YouTube, tudo a serviço da expansão do conhecimento.

O “Fumar pra quê?”, nas primeiras semanas de sua disponibilização online, em meados de 1996, recebia uma média de 30 a 40 visitas (pageviews) mensais, evoluindo, 15 anos depois, para até 1.000 visitas diárias em épocas de campanhas nacionais antifumo. Portanto, o trabalho eletrônico tornou-se um caminho para que os adolescentes conheçam mais sobre tabagismo, conversem conosco livremente sobre o assunto (inicialmente pelas caixas de diálogos existentes em cada capítulo) e possam engajar-se na luta como protagonistas e não como vítimas.

Utilizamos, como foco de trabalho, a expressão atribuída ao gênio Einstein: “O homem tende a negar aquilo que desconhece.” Recebemos, diariamente, de 20 a 50 perguntas, observações ou sugestões, partindo, percebe-se claramente, de menores de idade, ávidos por informação.

CP - Por que será que mesmo com a intensa campanha de restrição ao tabaco feita no país, vários adolescentes continuam a entrar no mundo do cigarro? Seria a linguagem o problema?

Alexandre Milagres - Hoje, mediante todo o esforço coletivo governamental e de mobilização social empreendido, há mais restrição (ao consumo em ambientes coletivos e à publicidade) ao fumo, mas a quantidade de informação nos parece ainda insuficiente. Pelo nosso ativismo em escolas e pelas mensagens dos jovens que recebemos pelo e-book, há enorme oportunidade para implementar-se a transmissão da informação, muitos canais a serem utilizados.

Como não há conscientização adequada, a curiosidade e a imitação de atitudes fazem com que meninas e meninos resolvam experimentar a droga. Dado o seu poder escravizante (viciante), o movimento que parte da experimentação fugaz para o uso regular é imperceptível. Entretanto, mesmo para jovens recém tornados dependentes, a saída do processo não é tão simples quanto foi a sua entrada nele. ‘A curiosidade matou o gato’, diz o ditado popular.

CP - O que falta, então, dizer ao adolescente que pretende experimentar o cigarro?

Alexandre Milagres - Falta fazer com que ele possa ser crítico do processo antes de decidir-se por ser mais um consumidor da droga nicotina. Há experiências bem-sucedidas neste sentido. A informação como formadora de opinião, como forma de empoderar o cidadão. Um garoto ou uma garota também são cidadãos, não são?

A turma mais nova tem o direito a esta informação para fazer melhor julgamento dos riscos a que estaria prestes a correr. Eles podem ser estimulados a destrinchar as consequências desta pandemia, basta, como se costuma dizer, haver a tal da vontade política.

Mas falar só das doenças é improdutivo. A meninada precisa de uma bandeira de luta. Na minha adolescência, uma das bandeiras era a resistência à ditadura militar e quantas músicas e peças de teatro tinham como pano de fundo esta resistência. O ser humano, de uma forma geral, precisa de um motivo para lutar, para esforçar-se e significar-se. Saber detalhes sobre o tabagismo, que é considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) a causa da principal epidemia de doenças no mundo atual, realizar o que significam 550 brasileiros mortos por fumo a cada dia e aprender como isto aconteceu e quem são os atores que contribuem para este descalabro, assim como onde e como se pode exercer resistência a esta máquina produtora de óbitos e doentes, traz para o tabuleiro mais peças.

Os jovens não têm que ser alertados para o problema, eles têm que ser seduzidos a participar de sua solução. A energia desta juventude linda que está por aí pode e deve ser canalizada para contribuir para o movimento mundial de banimento do fumo do planeta.

CP - O risco e a dimensão do vício para aquele que começa a fumar jovem é ainda maior do que para o adulto? Quais são as diferenças?

Alexandre Milagres - A maioria esmagadora dos fumantes adultos de hoje, algo em torno de 90% deles, iniciou-se antes dos 18 anos, sobretudo por desconhecimento de muitos dos fatos ligados à lavoura, produção, marketing, propaganda, lobby e venda de produtos de tabaco. A pandemia só será eficazmente controlada quando interrompermos, ou minimizarmos muito, a entrada de novos escravos no círculo vicioso. Aliás, é tragicômico ver alguns desavisados defenderem a ‘liberdade’ de fumar.

Quanto mais precocemente ocorra a entrada de um fumante na senda da dependência em nicotina, maior será o risco de desenvolvimento de doenças relacionadas ao tabaco. Outra precocidade do vício, pouco percebida, é a do feto fumante, aquele serzinho em formação que recebe nicotina pela irrigação sanguínea que trafega pelo cordão umbilical. Quando o aporte da nicotina lhe é suprimido, assim que nasce, após o corte do cordão, imediata síndrome de abstinência em nicotina surge. Os sintomas da falta de nicotina são aqueles que mais impedem que a maioria pare de fumar sem ajuda ou tratamento médico: irritação, inquietação, insônia ou sonolência, apetite aumentado, tristeza, agressividade, perda da concentração e depressão. Boa parte do choro de um bebê recém-nascido é falta das substâncias do cigarro da mãe, do pai ou de ambos. A diferença de um fumante comum, adulto, é que o bebê não sabe pedir uma tragada. Já a tragada que der aos 13 anos (média de entrada na dependência dos jovens brasileiros), apenas para experimentação juvenil, pode significar imediata aceitação da prática, às vezes, para sempre.

CP – Qual o papel da escola na hora de impedir que a criança entre no mundo do tabaco? Como os pais entram nesse esquema?

Alexandre Milagres - Pais e escolas são peças importantíssimas no processo de controle do fumo. Nas experiências mais exitosas, esta associação tem sido fonte de resultados positivos tão belos quanto replicáveis.

Pesquisas apontam para uma taxa de 50% de fumantes nas casas dos adolescentes. Os pais têm direito à informação, tais como: riscos sobre a saúde do fumante passivo (incluindo o já citado feto fumante); no caso de pais fumantes, formas de justificar perante seus filhos o fato de consumirem a droga que eles não recomendam (e até reprimem) a eles, e o risco do tabagismo para a saúde física deles próprios e para a saúde financeira de suas famílias face à possibilidade de adoecimentos precoces e incapacidades para o trabalho.

As escolas e creches, por outro lado, são comumente chamadas de ‘o segundo lar das crianças’ e, no que tange ao controle do tabagismo, repousa sobre elas uma grande esperança de que com o seu engajamento no movimento abreviemos em décadas os esforços de conscientização da sociedade. O espaço de convivência, que os estabelecimentos de ensino propiciam aos milhões de meninas e meninos do país, poderia ser transformado no maior núcleo irradiante de boas novas para a saúde da espécie. Entender este papel é pauta para muita articulação e integração do trinômio família– saúde–escola.

O conhecimento do sistema tabagista não só contribui fortemente para a redução da entrada de novos experimentadores de nicotina, como também diminui a adesão a outras drogas psicoativas. De acordo com os alertas da Organização Mundial da Saúde, adolescentes fumantes têm três vezes mais chances de abusarem do álcool que os não fumantes, oito vezes mais propensão ao uso da maconha e 22 vezes mais chances de tornarem-se dependentes de cocaína.

CP - Pobreza e carência podem ser ligadas ao fumo na infância?

Alexandre Milagres - É correto correlacionar pobreza e hipossuficiência intelectual a uma maior propensão a experimentação de nicotina. Diversos estudos nacionais e internacionais comprovam que quanto mais anos de estudo, menor é o percentual de fumantes nas sociedades atuais. Acesso à informação e capacidade de metabolizá-la são, como já dissemos, partes fundamentais no processo de recusa de nicotina.

CP - Como descaracterizar para o adolescente o mito de que o cigarro é coisa de gente descolada, que está na moda?

Alexandre Milagres - Durante muitas décadas, a indústria do tabaco aplicou mais recursos financeiros em propaganda de seus produtos do que nos insumos para a sua fabricação. Seja aplicando em peças publicitárias para diversas mídias, com a elaboração de campanhas bem engendradas; seja apoiando eventos de diversos matizes e públicos, como os amantes de rock, de jazz, de moda, de surf, de futebol, de cinema e de música em geral; seja seduzindo formadores de opinião, políticos e a indústria cinematográfica, mola maior da difusão de imagens de ícones pitando. A maior glamourização do fumo vem das imagens que víamos nas telas de cinemascope.

Novamente, só com informação que possibilite a análise crítica dos jovens quanto à imagem que a indústria tenta passar para mascarar a essência de seus serial killers pode-se ficar imune. Há uma experiência bastante interessante neste sentido, num sistema educacional de um estado norte-americano, chamada: detetives da tela. Eles assistem a um filme, registram e debatem as cenas onde o cigarro aparece e qual o conteúdo simbólico que os roteiristas e os diretores quiseram passar. Esta visão ampliada do processo torna o jovem não fumante mais vigoroso para enfrentar e resistir ao apelo da experimentação. Muitas cenas em que os cigarros ou mesmo apenas a fumaça aparecem são criadas e inseridas no roteiro com o único objetivo de fascinar. Só a percepção inteligente é capaz de criar um obstáculo para que o cérebro não registre, aceite e deseje o símbolo oferecido. A associação de fumo com beleza, status social, vigor físico e riqueza só não é digna de boas gargalhadas por ter sido eficaz em sua proposta de seduzir legiões de jovens.

CP - Defina o que significa para você o ato de começar a fumar:

Alexandre Milagres - Começar a fumar é usar o livre-arbítrio. E o livre-arbítrio é uma de nossas maiores dádivas. Dizem, uma dádiva divina mesmo. Parte de nosso trabalho é dar recursos para que o livre-arbítrio possa efetivamente ser exercido. Para nós, só o conhecimento é que liberta de verdade e a informação pode ser a chave de tudo.

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